segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Haikais bêbados.

Frios.

Na passarela
passa boi
passa boiada.

Explicando.

Agora tem bunda de plástico,
peito de plástico.
Tem gente de plástico.

Televisão.

Bem sabiam os de antanho,
O mundo é mesmo quadrado
e cabe na minha sala.

Brasil.

Tu és uma miragem
aos que sedentos
morrem a beira d'água.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Uma poça d'água.

Para escrever um poema
É preciso apodrecer ideias
deixá-las fermentar nalgum desutênsílio
é preciso desapessoar-se, embrutecer,
desvicerar-se de todo conceito e forma.
Não se pode valorizar as palavras
porém, toda desimportância também é grave.
É preciso falar língua de meninos
de bêbados, de doidos sãos.
Mas há os sábios e felizes
uns Quintanas que dão ciso ao ofício.
Neles, as idéias são etéreas, translúcidas.
Dão às palavras sabor e cheiro,
até ensinam certo bem viver.
São de uma outra espécie de homens.
Sou dos desterrados, dos ciganos
um tipo de acidente, uma depressão.
Vala aberta, monte ermo, cupinzeiro.
Xícara sem asa, pote sem tampa.
Inda tenho a etiqueta do fabricante
mas os números estão se apagando.
Espero meu recall, meu upgrade.
E talvez possa dar sensatez ao vernáculo.
Se Ele me desfizer de meu limbo,
se rasgar-me as vestes e me cobrir de pó,
se de todo o coração que não tenho
entregar-lhe todas as palavras que não sei,
então pode ser que ache uma trilha,
um caminho de pedras e flores brancas,
uma poça d’água no meio da caatinga,
e possa sorvê-la como Davi em terra estrangeira,
Como Sansão sedento e esvaído depois da luta.
Espero meu Remidor furar-me a orelha
e marcar-me como sua propriedade exclusiva.

Nexo

Se eu pudesse empassarava
Mas é inútil essa minha querência de bicho
sou homem me desumanizando,
coisando, estou destonando.
Quanto mais olho o torto,
mais o torto me parece torto.
Não dou sentido aos contruidos
tomo parecer no despropósito.
Um pardal idiota
fez um ninho tosco
em minha casa idiota.
Estou desentendendo.
Moscas inúteis fazem seu zunido inútil
em meu quarto inutilmente limpo.
Tenho um casal de amigos gente
que limpa sua casa todo sábado.
Tudo parece tão importante.
Eles têm líquidos azuis, em variados tons.
Imagino que sejam fluidos celestes
para assepsia de coisas e descoisas.
Conheço outro que trabalha,
tem um que estuda e planeja.
Uma está para parir, aquele foi à praia.
Outro comprou carro novo.
Um vai à igreja, o outro de férias.
Sei de um que morreu sem nome
e o nascido ganhou nome e sobrenome
Se pudesse desmanchava o feito.
Quem me dera beber um pouco de lucidez e esclarecimento.
Estou em reforma, mas não tenho planta
nem largura, nem altura, nem profundidade.
Ando oco e sem fundo.
Minha alma se descostura lentamente
apesar de as coisas estarem todas
no mesmo lugar em que deveriam.
Tudo segue seu passo
inexoravelmente sem nexo.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Um pé de macaúba.

Sou um pé de macaúba no meio da invernada
Não se pode ver nenhum outro como eu no horizonte
Minha casca esta envelhecendo, meu tronco se curva
Aquela resistência que tinha aos ventos não é mais a mesma
Uma brisa leve me esfria e me entorta todo
Já me firo com meus próprios espinhos
E minhas folhas caem antes do tempo.
No solo posso ver cachos de ideias prematuras
Já apodrecendo sem nenhum roedor para comê-las.
Aquele cheiro acre-doce dos frutos agora não sinto mais.
Aproveito as noites de vento forte e uivo
Clamando ao Senhor das embaúbas.
O único som que ouço é o farfalhar de minhas próprias folhas.
Aquela arrogância vegetal que eu tinha
Aquele viço atrevido, cheio de espinhos novos
Se foi com os últimos pés de macaúba arrancados.
Sabiás de peito amarelo não se empoleiram mais aqui
Nem mandruvás comem mais das minhas folhas
pica-paus não vem escarafunchar corós em minha casca podre.
Ouço apenas o som de grilos a noite la embaixo.
Boa companhia os grilos, sempre procurando seus pares.
Mas eles não se importam comigo.
Nem vacas, nem burros se recolhem à minha sombra rala.
Mas já estive entre amigos, já produzi frutos doces,
Com aquela carne amarela, cheirosa.
Meninos de beira de rio vinham catar
e chupar até ficar só a dura semente.
Agora apodreço lentamente
sob um céu azul e um sol que não encantam mais.

Uma fábula sobre um vaso

Um vaso com hipóteses, com ideias
enquanto é moldado, ou na queima
ainda imaturo, um vaso nascente
enquanto seca, sob o sol de agosto
é botija já corrompida, já é vaso inútil.
Sim porque um vaso não deve pensar ou querer
Não deve sentir ou imaginar outra instância.
Um vaso aquiesce simplesmente por não ser.
Enquanto seu feitor o pinta e decora
ele se pergunta por que foi feito.
Considera seu feitio, como se pudesse.
Apesar de vaso, quer-se ente.
Estúpido vaso de coisas inúteis.
Ele vê outros vasos, uns piores, uns melhores.
Mesmo assim quer saber porque sua feitura,
não compreende a mente de seu feitor
e roga-lhe que não o faça,
porque ele sabe que em fazendo-o
um dia terá que ser desfeito,
ele não quer ser desfeito,
quer apenas desesistir.
Pensa em sua cabeça oca
que talvez se ainda fosse informe,
se fosse meramente pó, ele não seria.
E não ser deve ser um grande privilégio.
Mas nalgum lugar de sua recôndita forma
nalguma fresta, nalguma ranhura
Ele teme ofender o feitor.
E permanece em sua imobilidade.
Vaso de vasos, de estranha figura.
Vaso tosco e de pouca utilidade.
Vaso de guardar memórias esquecidas.
Vaso velho, oco, vaso deixado num canto.

sábado, 20 de agosto de 2011

Os atores

Somos os atores da vez
Os outros já partiram
deixaram o espetáculo
não veem mais campos, vales
não ouvem mais o som das folhas
quando o vento as balança e caem.
Não sentem mais a textura da terra sob os pés.
As palavras não tocam mais seu íntimo.
Apagaram-se as luzes e entramos.
Acreditamos que estamos bem
Que tudo o que fazemos é necessário.
Os outros já pensaram assim, mas passaram.
Não ficou nada, nada permaneceu.
Somos os atores e espectadores de nós mesmos
a pantomima é automática.
Mas todos temos consolos e respostas,
temos boas pílulas, bons motivos.
Precisamos deles para continuar.
Há os dissidentes, os seguros,
Os que enxergam além dos olhos,
os pragmáticos, os céticos,
os que dizem: foda-se...
Os crentes, os quase incrédulos,
os que criam, os que destroem,
Os que nada sabem, os parvos
Os geniais, os cruéis, os bons, os torpes.
Os que compram e vendem esperança.
Todos com os olhos nos próprios pés.
Pais, mães, filhos, presos, soltos,
Senhorios, hóspedes, infelizes.
Todos no mesmo triste show,
Dirigidos pelo instinto desesperado de sobreviver.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Um balde azul

Um enorme caminhão amarelo
serpenteia por entre ingazeiros e imbaúbas indiferentes,
enquanto um vento menino derruba folhas no chão de agosto,
folhas amareladas desferem tons de verde e marrom,
preparando a cama para vermes e minhocas obtusas,
que no fim do dia veem arrumar a terra úmida.
Sinto uma saudade aguda e sem lugar de repouso.
Ela cai sobre a mesa e me toma feito ópio.
Buritis e palmeiras astutas vicejam sua esnobe figura.
Uma enorme figueira solitária ri do meu dilema.
Em seu tronco de matrona, cresce uma era teimosa.
Mas ela não se importa e brinca com o vento teimoso.
Sobre minha mesa, quatro gotas de clonazepan
cantam uma canção em semínimas pontuadas.
Estou só, ela está longe imersa em números e tabelas.
Me alegra saber que o Homem de lata e o espantalho,
Estão com ela rindo e contando historias de postergar.
É sábado, e os tons de marrom e verde do serrado
me fazem pensar nos meus filhos de um pai que não sou.
Eu os ouço gritando, rindo e correndo entre as árvores.
Olham pra minha capa vermelha e meu escudo dourado
e se sentem seguros. Estou nu e assustado,
mas finjo que posso vencer o enorme dragão.
Em seus três chifres posso ver escrito:
Cansaço, lassidão e esquecimento.
Uma mulher aparece com uma vassoura
e desarranja as folhas em pequenos montículos,
depois as lança num enorme balde azul petróleo e tampa...
Um sabiá amarelo me olha como se me visse,
depois vai embora e não se lembra mais de mim.
Sigo, como quem sabe onde vai...

Uma cama de delícias

Não posso parir palavras para explicar o gozo
Da luz do sol de agosto num fim de tarde
Incidindo sobre as melenas de capim
amarelo-palha, pincelado por tons esverdeados
na estrada que me leva a Nova Andradina.
Ipês amarelos, despido de suas folhas espessas,
são como um Matisse dançando flores brutais.
Envolto em uma casca sóbria como um terno
ergue-se anunciando a alegria do mês de agosto
em meio ao sono do serrado inflamável.
Tanta cor, tanta vida em meio a réstias de queimada,
tanta promessa no fim do caminho.
Cidade que me despe de realidade, Nova,
velha Andradina, com suas casinhas antigas
gentes nas portas olhando o tempo virar a esquina,
a pretexto de tereré, urdem as últimas velhas novas.
Casarios, casebres, carrões, carroças, consentem
em habitar a gente nova e a velha gente de Nova.
Terra de suspirar e beber o cheiro de chuva do cerrado.
Na estradinha estreita pra chegar, espreitam bois e buritis de longe.
Historias de onças e sucuris de almanaque, inda rondam
alagados e riachos guardados por caraguatás teimosos.
Cortam-me o peito as ruas e vielas limpas de Nova
Lá as gentes dizem “a Nova”, como se a reconstruíssem
todas as manhas sob um sol que é só seu.
Ando asfixiado e faminto do ar de Nova,
que Incrustrada no cerrado me convida
feito a mulher que preparou com linho,
vinhos e flores, uma cama de delícias.

domingo, 14 de agosto de 2011

Hipocrisia

Bendita seja toda hipocrisia
A hipocrisia dos poupadores,
dos ambientalistas engajados,
dos filhos bem educados em escola privada,
que sempre se ocupam em servir a humanidade.
Que poupam água e energia em suas bikes de alumínio.
Das moças e rapazes bem criados e engajados.
do funcionário público quase incorruptível,
dos homens e mulheres de estirpe,
que entre taças de lisonjas e patê de fígado de ganso,
declaram sua genuína preocupação com o “outro”.
Bendita seja a hipocrisia dos clérigos,
dos dignitários representantes do céu.
Bendito seja o pão dos pregadores da hecatombe,
que como vaqueiros em suas celas de prata,
conduzem a estúpida manada aos seus redis.
Benditos sejamos nós todos, os esclarecidos,
que compramos bem cedo nossa dose de hipocrisia,
e que apesar da clarividência de nossa miséria,
ainda nos sentimos melhores que o gado a nossa volta.
Bendito sejam os que roubam merenda escolar
mas investem em cultura e são amigos dos artistas.
Bendito sejam os nobres defensores de causas humanitárias.
Bendito seja todo o dinheiro dos milionários
doados aos miseráveis fétidos de todo o mundo.
bendita seja a nossa ganância, a luxuria, o orgulho.
Bendita seja a nossa hipocrisia.






sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Um menino.

Me disseram por entre linhas
que tenho tendências para o torto.
Acrescento feliz que ao avesso também,
tenho prazer em síncopes, em incompletudes.
Quero ardentemente desarranjar o mundo,
descompor a compostura dos gestos, dos acordos.
Tenho poucas palavras úteis embaixo da língua,
as tenho como espinhos sob o travesseiro.
Tenho saudades de brejos e caminhos tortos.
Minha memória sofre sapos em noites de chuva,
entorpecem-me como Rachmaninoff.
Há! Que alegria, que regozijo há no torpor,
que lucidez nos olhos do menino chupando manga.
Já fui pleno, já estive completo.
Mas fui aprendendo e envilecendo,
fui descobrindo e esquecendo
o gosto das coisas chãs.
O modo gracioso da vespa entrar na terra,
o cheiro saboroso da cana quando queima,
os beijus que minha avô pendurava na janela
e fingia não nos ver roubar.
Fui me perdendo daquele menino
do canto da torre que anunciava Deus entre os homens.
Tenho as mãos cheias de nadas
e trago na mala um mapa de escombros.
Talvez ele esteja lá, o menino.
Espero ser capaz de entender sua língua de menino.

Monólogo.

Porque você olha pro meu horror?
já tenho meus verdugos particulares
pagos a soldo de alheamento do mundo
de estranhezas, incertezas, tropeços.
Por favor amigo estranho, olhe pro teu,
segure minha mão se quiser
mas não olhe pro meu horror.
Minhas vicissitudes são tantas e contumazes
que já se empoleiram sobre meus muitos dias
como ramagens secas, como trempes esquecidas.
Se há algum conforto, se há alívio?
Que posso dizer hoje...
Apodrecemos.
Mas há sempre certa utilidade em fenecer
se não, alguma beleza no pejo.
Feito um tronco velho na mata úmida,
onde tamanduás vermelhos vêem escarafunchar
seu alimento.
Onde lindos corós de cabeça amarela
Vicejam sua gordura branca e rica.
É bem certo que o dono do mundo
o fez com todos seus matizes e sons únicos
para regê-los para si mesmo.
Sim, para quem escreve a sinfonia
Há grandeza no som do sofrimento,
há beleza no ostinato da dor, do riso,
do gozo, do parto, do coito,
do corpo em seu ultimo estertor.
Há extenuante beleza na decrepitude,
na criança que ensaia sua primeira queda.
Há angustiante beleza em tudo...

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O desconforto de ser.(palavras são coisas inúteis)

Padeço da moléstia de todos os homens:
Da vaidade do saber, do possuir, do ser.
Ha! Quão míseros somos em existir!
Como seria bom não precisar de reconhecimento,
de afeto, de aplausos, de nada externo.
Mas isso em si já é ambicioso e mesquinho.
Quanta altivez em nossa humildade.
Quanto lixo em nossas posses...
Coisas de metal, madeira e outras telúricas
que nos fazem tão felizes e completos.
Ela própria não reclama seus direitos, aquiesce simplesmente.
Nós possuímos tudo, e há sempre alguém menor que a gente mesmo.
Isso é vergonhoso e reconfortante.
Mas é bom saber que tudo tem um fim.
Que vamos ascender ao nada, à inexistência.
Tudo o que escrevemos, lemos, amamos
tudo, tudo, tudo, tudo vai queimar até extinguir-se.
Até ficar só o som doce do crepitar
e subiremos como fagulhas breves...

Metamorfose

Sempre tive essa parecência de árvore,
mas nunca pensei que minha natureza madeiral
ia brotar para além das ideias,
para mais que alguns ramos toscos.
Os pêlos do meu corpo estão para raizes,
estão me enterrando feito mata-pau.
Estou enrijecendo ruidosamente o tronco.
Folículos vegetais me enredam em por dentro.
Como uma criatura de Lobato, mítico.
Já tenho esperanças de cardos
já tenho vivências de embaúbas sequiosas.
Formígas moram em meus membros
e não posso mais expurga-las.
Tenho seivas, casca e nódulos
que se espalham nos costados.
Pessoas me olham como se embrutecesse
por pender feito a figueira-vermelha.
Não posso dizer-lhes, minha glote é oca.
Tenho voz de cedro roxo quando balança.
Depois de encopado, depois de retorcido
Vou ser útil, como pessoa não fui.
Tenho competência pra barco, pra berimbáu.
Talvez meninos subam-me à copa
e balancem, contem doidices de meninos
sem saber que os ouço com minha memória de homem velho,
de homem pau, de coisa.
Singrar rios, soar cantigas de roda
são minhas ambições de mato.
Já fui pote, tapera, igarapé.
Agora sou cipó.
Quero empessoar um cocho d'água
dar de beber a Burros e Bem-te-vis.
Sim senhor, bichos maiúsculos como queria seu Lobato.
Quero empuleirar Biguás e Urutaus
e terminar oco e corrompido
dentro de um rio a me atravessar as frestas.

Farinhada.

Quero escrever um poema na primeira pessoa,
como quem faz farinha.
Colher as raízes sujas de terra, enlamear-me.
Ser tosco e nutritivo como a maniva.
Apodrecer no perau, e nascer enramado.
Quero pubar devagar, e verter verbos
Mudar a serventia das palavras, estragá-las.
Espremê-las até minar caui, entorpecer.
Quero encontrar o inverso do sentido,
sentir o etéreo, sorver o súbito
como quem bebe água de cacimba na mata.
Quero domesticar lobisomens verbais
escarafunchar o sórdido, velar a nobreza.
Quero andar de costas e surtar poemas.
Quero não ser para existir de fato.
Lições de polvilho são:
A brancura; a fartura e o adensar-se.
É preciso ser puro como a fécula,
fecundo e musical como uma cabaça.
Esbofetear os adjetivos
até que eles sejam como beijus quentes,
com serventia para os dentes e língua.
Maniva, mandioca, raiz de pobre,
alimenta-me com tua simplicidade,
com tua desfaçatez calculada.
Entranhe-me a alma anoréxica
e me dê a beber de tua seiva poética.
Nenhuma poesia é maior que um pé de macaxeira.




quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Poema de Agosto

Em Agosto as arvores empoemam,
tecem manhãs e tardes cor de palha
em suas folhas já quase despertas.
Os dias transcorrem ventanosos,
e em seu ofício Agostino de sacudir,
deixam atrás de si poeira
e caras franzidas por excesso de luz e pó,
Uma luz estralada, estridente.
As chuvas quando vêem temporãs
são anunciadas por um leve cheiro
de roupas quaradas
e vozes de lavadeiras míticas.
Em agosto todos os ventos se vestem
de copiosas danças pluviais
e arranjam as touceiras de cana secas pela geada.
O dono do redemoinho assovia
chamando outros agouros de Agosto.
Juntos planejam enlouquecer os cães,
assombrar os parvos e fazer sonhar
meninos que sobem árvores.
Em Agosto não é bom casar,
mas é sem regra amasiar, embolar...
Quem tem sorte de nascer ai
vira artista ou louco.(o que é a mesma coisa)
Em agosto as flores brotam Cecílias,
Manoéis alados e Drummonds aquáticos gotejam.
Os alagados se enchem de Jobims, Rosas,
Borges e outros bichos da estação.
Tenho Agostos dentro de mim
brotando como orelhas de pau.
Em Agosto sou fecundo, sou vala
Sou terra apodrecendo de amor.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Poeminha quadrado

A paz me alvejou
e não veio sozinha.
Trouxe junto um amor
e uma calma alegria.
Veio em partes,
toda em pedaços
como num jogo de encarte,
como em banho Maria.
Uma foto ambígua,
uma tarde num banco de rua,
um abraço, embaraço,
um afago.
Um rubor que ainda arde.
A paz é leve e leviana,
mas faz cara de grave.
Quase diz o que pensa
e sempre ri com vontade.
A paz ainda é jovem,
mas já tem uma certa idade.
Ela é moça de longes,
de terras tão distantes.
De uma cidade Nova,
de antigas paragens.
De um mato-grosso de dantes.
Lugar de chuvas e estiagens.
A paz comprou família.
Tem gato, cachorro, sobrinhos.
E tem até irmãs é claro.
Tem dote e planos destarte.
A paz é legal
mas também é guerra:
em partes
Porque como toda mulher viva
está cheia de suas vontades,

terça-feira, 14 de junho de 2011

Quase perfeito.

Em sua vida tão segura,
em sua casa tão ordeira,
em seu mundo quase perfeito,
eu ainda nao consegui ficar.
Entrei por um descuido dela,
Por uma falha na segurança
e lá fiquei por um tempo.
Tempo de calmaria, de deleite.
Tempo de beijos longos e suaves.
Tão generosa, rodeada de amigos
que a amam como irmã.
Inabalável, inespugnável muralha de amor.
De sardas, de pequenos seios brancos.
Alma inquieta, têmpera de aço.
Tanta força escondida
Em seu pequeno corpo de mulher.
Não fui capaz de toma-la
De roubar-lhe as armas.
Nem tão pouco ser arrestado,
por sua nobreza, por seu vigor.
Quero voltar, mas perdi o caminho.
Não sei mais como roubar-lhe um beijo,
como confiscar-lhe o afeto,
como fazer da dor comunhão.
Espero, meu verdugo sempre paciente,
o Senhor tempo.
Quem sabe ele me redima
e eu possa de novo ver-lhe a brancura,
ouvir-lhe a risada, sentir-lhe o cheiro,
saber de seu doce amaro do cerrado
e andar de novo de mãos dadas,
em seu mundo quase perfeito.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Passageiros.

Me disseram que ele é feio
E que, portanto, é feio ser feio.
É feio contrariar a beleza.
Tanta beleza posta sobre uma poltrona marrom,
confortável e segura em seu barquinho.
Ela não teme, não implora, não se sente ameaçada.
Ele me perscruta serenamente, de seu pináculo.
Posso ver sob a luz, pequenos vasos azuis
sob a pele branca, ainda imaculada pelo tempo.
A brancura das mãos, faz-me saber dos pés
sempre escondidos, sempre seguros do caminho.
Do lado de cá dos abismos, peço-lhe que me salve,
que construa uma ponte, mas ela sabe da acrofobia.
Quisera ser resgatado, por suas mãos brancas.
Ser içado do Sheol, lavado e quarado em ribeirões.
Anestesiado por eflúvios de alegria infantil,
viver o resto que resta, sem pressa, sem susto.
Mas ela é apenas um passageiro como eu,
Que questiona a feiúra do feio.
Ela quer ver a beleza, e talvez até consiga.
Ela quer me mostrar que há um jardim secreto,
Onde uma fonte se insinua por entre flores amarelas.
Quer me mostrar que borboletas flanam sob a água,
satisfeitas e impolutas, com pressa de sorver a vida breve.
Ela própria esta agarrada ao jardim,
por um cordão umbilical indissolúvel.
Mas seu jardim tem ordem como em Monet,
Sou Basquiat, sou Dali, sou névoa e chumbo.
Tenho o peso de mil eras.
Sou como um hidrante seco numa rua deserta.
Preciso tomar um copo de esperança,
Sorve-lo devagar e deixar molhar o peito
como quando era menino.
Quando as coisas eram elas mesmas
e eu não podia, nem sabia explicá-las.
Quando o medo vinha deitar-se comigo
e fugia apavorado com o sol.
Nesse tempo, eu existia irresponsávelmente
e cada dia era uma aventura e eu podia aprender.
Parece que agora eu já sei tudo...

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Velha fotografia.

Minha filha, minha ilha distante,
filha da minha alegria,
sangue do meu sangue,
ossos dos meus ossos,
minha carne,
minha cara em suas faces.
sua risada em minha poesia.
Pra onde voce foi?
Onde estou sem você?
Em minha casa fria.
Não te guardo nas pálpebras,
não te tenho no regaço,
não te cuido, nao te acudo
na noite sombria,
minha filha, minha alegria.
Depois que te perdi,
todo caminho é torto,
toda luz é opaca,
todo amanhecer é tarde,
toda noite é dia,
minha filha, minha alegria.
Em meus sonhos sempre te vejo,
dentro de meus olhos baços,
tua forma bonita, teus traços,
teu contorno meu
que minha memória cria,
parece que sou eu,
contudo, algaravia.
Sem você o céu é púmbleo
e tudo é alegoria.
não como, nao bebo,
nao durmo, nao rezo
sem pensar em você
minha filha, minha alegria,
estampada numa velha fotografia.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

O mendigo.

O amor é uma ilusão
tão intenso como uma chama
que arde sôfrega e tudo consome
até extinguir-se a si mesma.
O amor é como uma brisa leve,
uma lufada de alegria e regozijo,
que depois de passado o júbilo,
repousa no chão como uma pena molhada.
Sim! O amor é um engano,
uma lareira cheia de cinzas de ontem,
um floco de neve ao sol.
Um menino que fita o éter
mas no fim, é só um pássaro preso
numa mancha de óleo...
Ele vem como uma tempestade furiosa,
em arroubos juvenis de granizo e trovões.
Retorce árvores, inunda cidades,
transtorna vales e homens
e depois arrefece
como um filhotinho assustado.
Irmão da dor, andam de mãos dadas
em detestável lascívia incestuosa.
Sim! Eu afirmo e atesto:
O amor é entorpecimento, é vaidade.
ele embriaga, tonteia e nos surra.
Mas essa bravura, esse furor não permanece.
No perau profundo, nos grotões,
no recôndito de oceanos anímicos
ele dorme seu sono de ogro.
com sua boca aberta, ventre inchado
por embebedar-se continuamente,
com a vinha do desespero.
Com as mãos cheias de nomes
e fotografias desbotadas de moços e velhos,
ele está quieto como o Vesúvio.
Em breve verterá desprezo e vertigens.
O amor é bonito nos livros e nas telas.
Bebida fina de tolos e poetas trôpegos.
O amor é um mendigo vetusto,
Metido em seus andrajos de sobriedade.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Lineu Silva.

Ninguém mais tem noticias do cidadão,
e toda aquela sua contumaz integridade.
Os de cima os chamam “trabalhadores”,
como se trabalhadores fosse uma categoria, uma classe.
Mas eles sumiram. Tornaram-se um folhetim.
Agora todos rosnam ante a presa abatida,
ninguém mais se lembra da honra,
do bom nome, dos princípios.
Os de baixo, enquanto não podem subir,
vão pisando um sobre os outros,
jogando papel na rua,
oferecendo dinheiro que não têm,
pra se livrar de multas e tropeços.
Quem se importa com o vizinho?
“O próximo” é apenas um eufemismo,
uma idéia absurda de outro Maluco.
Precisamos apenas comprar alguma coisa,
em algum lugar, por qualquer motivo.
Nos reunimos em nosso pequenos bandos,
cada um com sua bandeirinha,
lutando pelo dinheirinho nosso de cada dia.
E tudo esta a venda.
Os dedos, os dentes, o fígado, o nome,
a alma, os filhos, a fé...
Ninguém mais é como o Lineu,
Irredutível em sua vidinha banal,
Trivial em sua vidinha ordinária.
Acho que precisamos do Lineu la no palácio,
com a dona Nenê na economia.
E do jeito que está a casa da mãe Joana,
o Agostinho seria uma excrescência.
(E neste caso o nepotismo é perdoável).
coisa típica da ilha de Cabral.
Mas acho que o Lineu não aceitaria.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Porto Seguro.

Quando as ondas quebram furiosas
sobre nossos desejos, lá no fundo
quarto de aventura, sofreguidão e espanto.
Quando as emoções espumejam
em revoltosas e intempestivas águas.
Quando subjugados pelo perfume da incerteza
preferimos mil vezes o impulso, o quiçá
ao murmúrio doce do riacho que corta os vales.
Quando não tememos o estertor de noites sombrias,
quando o furor da voz de mares abissais
nos parecem tão familiares.
Quando as naus se quebram sob as rochas
e congelamos a espera de socorro que nunca vem,
então é hora de deixar ir, de soltar amarras.
Velejar sob o sol de águas azuis,
Caminhar descalço sobre areias brancas
em terra firme, em campos conhecidos.
Sorver devagar as fontes claras que gotejam
Sob a sombra do serrado de flores amarelas.
Ouvir o nome sendo chamado em tons suaves,
enquanto se cozinha num dia comum,
numa vida comum,
para um amor comum...
Navegar é para os tolos, para os poetas.
Para piratas e capitães indômitos.
...
Estou para o chão, casa de varandas amplas,
pequena horta no fundo do quintal.
Domingo de lareiras, chá e livros antigos.
Fumaça de chimarão partilhado subindo.
Conversa a toa,
A vida besta das Itabiras...

terça-feira, 10 de maio de 2011

Trieiros

Há tantas sendas incertas
para se chegar aos cardinais
traçados na matriz.
Ao sermos ejetados
não nos dão um mapa da vida
e as rotas traçadas para ontem,
não nos conduzem ao hoje.
Vagamos indolentes, por velhos trieiros de trapiches.
Veredas de areias e capins temporais
sulcados pelas rodas dos tempos,
por caminheiros que não conhecemos.
Não temos timão, leme, GPS ou volantes nessa Nau.
Erramos como vaga-lumes caolhos,
como formigas aladas
(que pela quantidade esperam chegar ao destino)
nos círculos do senhor tempo.
Descaminhos incertos de Bernardos
Que se cruzam a margem do trilho eterno.
Seguimos.
Sem a orientação de cupins à casa nova,
Ou o passo trôpego, mas certeiro
de um besouro cego.
Também cegados pela luz,
Tateamos na escuridão
de nossos próprios destinos.
Ora sabemos, ora perdemos.
Mas aquele olho de homem esta lá.
Segue-nos interessado em nossa lida.
Constrói-nos pequenas pontes, abre valas,
Novos trieiros em meio às pedras
de nossos devaneios.
Da pra sentir seu hálito enquanto vagamos,
Sob nossa carapaça efêmera.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O Rola-bosta

O coprófago não sabe
Sua importância, seu valor municipal.
Ele segue rolando sua cama de antanhos.
Obra de nobres vereadores, magistrados, pedreiros
quem sabe de um imortal, uma miss.
Pensando bem, miss é provável que não!
Sua célebre cauda não se arreganha no mato.
E segue o escaravelho em seu vestuto ofício
de rolar seu insólito berço,
sem ninguém para lhe reclamar a obra,
porque isso é coisa de que o autor não diz: É minha!
Essa cria se atribui sempre ao outro.
Seus ancestrais rolaram nobres toletes,
De faraós, búfalos de Basan, camelos Reais...
Mas todos tratados com sobriedade e discrição.
Não faz o escarabeu, acepção de estrume.
Impassível, deposita seu ovo confiante,
Seu herdeiro logo vem comer-lhe a obra,
Sem super faturamento, sem comissão,
Esse engenheiro, capitão de bostas,
com sua sabedoria de milênios,
alimenta sua prole, e sulca a terra.
Para produzir-lhe sempre mais ervas,
Como lhe prescreveu o Sábio construtor
que alimentará os bois, os deputados,
os senadores, os alcaides e toda sorte de bichos
de igual monta, e utilidade,
Para vir-lhe servir as gerações
Com estrume e continuidade...

terça-feira, 26 de abril de 2011

A DOR.

Quando ela vem de seu conventículo,
de suas trempes, de seus cacos.
Quando ela vem com seu cheiro de bolor,
com sua cabeleira desgrenhada, unhas negras,
com seu pelo hirsuto, sua cara suja.
Nada a anuncia. Nem vento, nem carta
ou seu cheiro acre, seus emissários mudos.
Ela é silenciosa como um peixe.
Chega sorrateira, macia.
Vai entrando nosso mundo adentro,
se instalando, botando a mão em tudo.
Quando ela chega, nada nos basta,
Amigo, parente,doce, afago, sexo.
Nada.
Ela é suficiente, ela nos basta.
Ela nos quer inteiros.
Mente, corpo, alma, desejo.
Uma mulher possessiva, etérea, mas vívida.
Palpável, com sua sudorese do Sheol
Ela não admite distrações.
Toma-nos pela mão
e nos conduz ao seu limbo palpitante.
E ali somos aviltados em tudo.
Não há defesa, não há saída.
Quando ela se vai,
deixa seu veneno diáfano em nós.
Vez por outra, lateja dentro.
Lembra-nos de sua posse
E calamos ante seu domínio.
Sua égide transcendental,
Seu reino universal.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Minhas posses.

O que eu tenho?
O que é meu de fato?
Que posses tenho em minhas mãos?
Nadas.
Tenho nadas.
Sou um sem religião,
sem time de futebol,
ou qualquer outra porcaria.
Meu endereço é temporário.
Sou possuidor de nadas.
De nada posso dizer:
È meu!
Meu fígado, meus rins,
meu desejo não é meu!
Seguem todos a revelia de meus mandos.
Meus são o pesar, a dúvida
e o medo de altura...
meu carro, minha casa
são mais ou menos meus.
De tudo que eu tenho
Efêmeros são
e nada posso levar.
Serei depositado numa caixa que não fiz,
numa cova que não cavei.
Nada tenho
e nada do que fiz é meu.
Não posso derramar minha vida
nem tomá-la de volta.
Não posso fazê-la honrada,
feliz, triste ou grande.
Porque nada tenho.
E tudo o que tenho não é meu.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O brinquedo

No tempo em que a China
era debaixo do mundo,
quando o Paraguay não era
uma banquinha de lona na esquina.
No tempo que meu ofício era brincar,
nesse tempo, ganhei um brinquedo sem graça.
Ele era de um plástico feio, amarelado.
Era uma metralhadora.
Joguei pelo alambrado da minha casa,
aquela coisa sem graça, inútil.
Não dava tiros, nem tinha mira.
Queria uma arma como aquela do cinema,
que cuspia fogo, e fazia aquele estalido bonito.
Depois de alguns dias, vi alguns meninos
os pobres, aqueles meninos perigosos,
aqueles com quem minha mãe não deixava brincar.
Eles estavam com a minha metralhadora amarela,
e ela fazia sons incríveis.
Soltava rajadas e derrubava os bandidos.
De vez em quando o mocinho também morria.
Mas era uma morte sem morte.
Eles riam da morte, brincavam com ela.
Eu, do lado de cá, sentia uma dor aguda,
uma saudade inexplicável
daquele brinquedo inútil,
a minha metralhadora amarela.
Ela reluzia nas mãos dos meninos tortos.
Eu não imagina tanta alegria, tanta graça
produzida por aquela metralhadora amarela.
Aquele plástico informe, aquela forma grosseira,
Era agora tão sedutora, boa de se tocar.
Podia, do lado seguro onde estava,
sentir o cheiro de plástico.
(na verdade, a memória dele).
Mas a vida de metralhadora,
não é melhor que a de menino sem brinquedo.
Ela também sofria o desprezo, a solidão.
mesmo no meio de tanta festa, tanta gente.
Descobri isso muito tempo depois,
quando eu mesmo pude ser
a metralhadora amarela de alguens...

terça-feira, 12 de abril de 2011

A metralhadora amarela

Metralhadora amarela.
obtuso brinquedo esquecido.
Ela não é como o sisal,
ou como um vôo de borboleta.
Ela não é como um cacto
que permanece solitário,
com seus braços estendidos
e os dentes à mostra.
Mas quando desprezada,
Passou às mãos de outro menino,
Que usava sua inutilidade,
para matar outros amigos,
Aos quais eu nunca ousara.
Nem os conhecia de fato.
De dentro do meu cercado,
onde minha mãe me guardava
Via minha metralhadora.
Reluzente agora, seu amarelo canário.
Minha arma repudiada.
Como era doce o som do meu dedo
sobre seu gatilho de plástico.
Como era terno ver meu irmão
caído sob sua saraivada enquanto eu gritava.
Ratatatata...Ratatatata... Ratatatata...
Agora por detrás do alambrado,
vejo meu irmão de fato
com a alma esticada, erguida
sua bandeira da paz.
Ele sempre foi mais corajoso que eu.
Sempre aceitava ser o bandido.
Mas sucumbiu aos tiros que eu lhe dava.
Meu irmão que me amava,
Minha alma estanque, seca...
Metralhadora de nada

A cerca

De onde estou, posso ver o horizonte.
Mesmo quando abaixo a cabeça pra comer,
Ainda consigo ver depois da cerca, a serra...
Bandos de maritacas voam baixo grasnando
passam sobre meu dorso, enquanto pasto.
Descendo a colina tem um riacho,
águas claras cheias de lambaris miúdos.
A água rasa bate no meio da canela.
Quando atravesso, a areia branca escorre,
por entre os meus cascos.
Sinto um preenchimento inexplicável.
A solidão aqui é boa, só sinto falta de uma fêmea.
Mas a cerca na outra margem me detém,
ela está ali, quase invisível, mas está.
Posso com um pouco de esforço, rompe-la.
Mas o medo da novidade me impede.
Gosto de estar seguro, do lado de cá.
Meu dono, vez em quando aparece,
me atrela à carroça, e puxo coisas dele.
Não sei pra que servem, só puxo.
Depois ele me solta na amplidão cercada.
A cerca é uma espécie de referencia de mundo pra mim.
Sem ela, acho que ficaria muito ansioso.
Admiro os outros bichos que não vivem cercados.
Mas penso que não é pra todos.
Sou apenas um animal de carga, tenho dono.
Me sinto importante e até protegido.
A liberdade ainda me assusta muito.
Acho que só quero pastar sossegado,
beber água no riacho, correr nas campinas.
Nessa vida de asno a única coisa ruim,
acho que é dormir em pé...
De resto, gosto dessa pasmaceira...
Acho que vou dar uma rolada na terra agora...

terça-feira, 5 de abril de 2011

Ideias...

As ideias sumiram
acho que mudaram de casa,
de bairro,
talvez até de cidade.
Da minha cadeira de balanço,
na ampla varanda do meu ócio,
não as vejo mais rondando por ai.
Suas filhas menores
aquelas idéias infantis (as melhores)
não fazem mais algazarra
ficou um silêncio só.
-Sabe como é um lugar sem crianças!
Tudo fica sem graça.
Vez em quando eu ouço ate um burburinho
quando olho já não vejo ninguém.
Só ouço o barulho do vento de outono
sobre algumas folhas mortas...
Ouço a grama crescendo,
vejo insetos pululando sob o mato rasteiro.
A casa onde as ideias moravam
está um abandono só.
A tinta descascando das velhas paredes de madeira,
uma teia recentemente tecida aguarda sua presa...
Deve começar a esfriar logo,
mas de resto só o silêncio,
um profundo e lúgubre silêncio
na casa ao lado
onde moravam as quase invisíveis
ideias.

O santo e o profano

Profanas são as coisas, todas
os utensílios
as sagradas todas, coisas
a vaca, o presépio, o propósito
a casa, o tatame, o altar
a faca, a bacia, o sangue
onde se lavar, o mangue.
é santo o lagar
o barro, o trigo, a água
o frio enxágüe, o quarar.
O pranto o gozo, o tragar
a posse, o desejo, o querer,
tudo é santo
pra se profanar.
O pão que como, o vinho
o examinar, o posto
que debalde, quero deixar.
o gesto, o pulso, o olhar
A polução, a cópula.
A ira que quero odiar.
É santo, é profano o falar
o fazer, o cozer, o pensar
toda obra, toda mácula, o pesar
quem me vê, quem me quer profanar
tudo em todos, e tanto tem
que o verbo julgar.