sábado, 20 de agosto de 2011

Os atores

Somos os atores da vez
Os outros já partiram
deixaram o espetáculo
não veem mais campos, vales
não ouvem mais o som das folhas
quando o vento as balança e caem.
Não sentem mais a textura da terra sob os pés.
As palavras não tocam mais seu íntimo.
Apagaram-se as luzes e entramos.
Acreditamos que estamos bem
Que tudo o que fazemos é necessário.
Os outros já pensaram assim, mas passaram.
Não ficou nada, nada permaneceu.
Somos os atores e espectadores de nós mesmos
a pantomima é automática.
Mas todos temos consolos e respostas,
temos boas pílulas, bons motivos.
Precisamos deles para continuar.
Há os dissidentes, os seguros,
Os que enxergam além dos olhos,
os pragmáticos, os céticos,
os que dizem: foda-se...
Os crentes, os quase incrédulos,
os que criam, os que destroem,
Os que nada sabem, os parvos
Os geniais, os cruéis, os bons, os torpes.
Os que compram e vendem esperança.
Todos com os olhos nos próprios pés.
Pais, mães, filhos, presos, soltos,
Senhorios, hóspedes, infelizes.
Todos no mesmo triste show,
Dirigidos pelo instinto desesperado de sobreviver.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Um balde azul

Um enorme caminhão amarelo
serpenteia por entre ingazeiros e imbaúbas indiferentes,
enquanto um vento menino derruba folhas no chão de agosto,
folhas amareladas desferem tons de verde e marrom,
preparando a cama para vermes e minhocas obtusas,
que no fim do dia veem arrumar a terra úmida.
Sinto uma saudade aguda e sem lugar de repouso.
Ela cai sobre a mesa e me toma feito ópio.
Buritis e palmeiras astutas vicejam sua esnobe figura.
Uma enorme figueira solitária ri do meu dilema.
Em seu tronco de matrona, cresce uma era teimosa.
Mas ela não se importa e brinca com o vento teimoso.
Sobre minha mesa, quatro gotas de clonazepan
cantam uma canção em semínimas pontuadas.
Estou só, ela está longe imersa em números e tabelas.
Me alegra saber que o Homem de lata e o espantalho,
Estão com ela rindo e contando historias de postergar.
É sábado, e os tons de marrom e verde do serrado
me fazem pensar nos meus filhos de um pai que não sou.
Eu os ouço gritando, rindo e correndo entre as árvores.
Olham pra minha capa vermelha e meu escudo dourado
e se sentem seguros. Estou nu e assustado,
mas finjo que posso vencer o enorme dragão.
Em seus três chifres posso ver escrito:
Cansaço, lassidão e esquecimento.
Uma mulher aparece com uma vassoura
e desarranja as folhas em pequenos montículos,
depois as lança num enorme balde azul petróleo e tampa...
Um sabiá amarelo me olha como se me visse,
depois vai embora e não se lembra mais de mim.
Sigo, como quem sabe onde vai...

Uma cama de delícias

Não posso parir palavras para explicar o gozo
Da luz do sol de agosto num fim de tarde
Incidindo sobre as melenas de capim
amarelo-palha, pincelado por tons esverdeados
na estrada que me leva a Nova Andradina.
Ipês amarelos, despido de suas folhas espessas,
são como um Matisse dançando flores brutais.
Envolto em uma casca sóbria como um terno
ergue-se anunciando a alegria do mês de agosto
em meio ao sono do serrado inflamável.
Tanta cor, tanta vida em meio a réstias de queimada,
tanta promessa no fim do caminho.
Cidade que me despe de realidade, Nova,
velha Andradina, com suas casinhas antigas
gentes nas portas olhando o tempo virar a esquina,
a pretexto de tereré, urdem as últimas velhas novas.
Casarios, casebres, carrões, carroças, consentem
em habitar a gente nova e a velha gente de Nova.
Terra de suspirar e beber o cheiro de chuva do cerrado.
Na estradinha estreita pra chegar, espreitam bois e buritis de longe.
Historias de onças e sucuris de almanaque, inda rondam
alagados e riachos guardados por caraguatás teimosos.
Cortam-me o peito as ruas e vielas limpas de Nova
Lá as gentes dizem “a Nova”, como se a reconstruíssem
todas as manhas sob um sol que é só seu.
Ando asfixiado e faminto do ar de Nova,
que Incrustrada no cerrado me convida
feito a mulher que preparou com linho,
vinhos e flores, uma cama de delícias.

domingo, 14 de agosto de 2011

Hipocrisia

Bendita seja toda hipocrisia
A hipocrisia dos poupadores,
dos ambientalistas engajados,
dos filhos bem educados em escola privada,
que sempre se ocupam em servir a humanidade.
Que poupam água e energia em suas bikes de alumínio.
Das moças e rapazes bem criados e engajados.
do funcionário público quase incorruptível,
dos homens e mulheres de estirpe,
que entre taças de lisonjas e patê de fígado de ganso,
declaram sua genuína preocupação com o “outro”.
Bendita seja a hipocrisia dos clérigos,
dos dignitários representantes do céu.
Bendito seja o pão dos pregadores da hecatombe,
que como vaqueiros em suas celas de prata,
conduzem a estúpida manada aos seus redis.
Benditos sejamos nós todos, os esclarecidos,
que compramos bem cedo nossa dose de hipocrisia,
e que apesar da clarividência de nossa miséria,
ainda nos sentimos melhores que o gado a nossa volta.
Bendito sejam os que roubam merenda escolar
mas investem em cultura e são amigos dos artistas.
Bendito sejam os nobres defensores de causas humanitárias.
Bendito seja todo o dinheiro dos milionários
doados aos miseráveis fétidos de todo o mundo.
bendita seja a nossa ganância, a luxuria, o orgulho.
Bendita seja a nossa hipocrisia.






sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Um menino.

Me disseram por entre linhas
que tenho tendências para o torto.
Acrescento feliz que ao avesso também,
tenho prazer em síncopes, em incompletudes.
Quero ardentemente desarranjar o mundo,
descompor a compostura dos gestos, dos acordos.
Tenho poucas palavras úteis embaixo da língua,
as tenho como espinhos sob o travesseiro.
Tenho saudades de brejos e caminhos tortos.
Minha memória sofre sapos em noites de chuva,
entorpecem-me como Rachmaninoff.
Há! Que alegria, que regozijo há no torpor,
que lucidez nos olhos do menino chupando manga.
Já fui pleno, já estive completo.
Mas fui aprendendo e envilecendo,
fui descobrindo e esquecendo
o gosto das coisas chãs.
O modo gracioso da vespa entrar na terra,
o cheiro saboroso da cana quando queima,
os beijus que minha avô pendurava na janela
e fingia não nos ver roubar.
Fui me perdendo daquele menino
do canto da torre que anunciava Deus entre os homens.
Tenho as mãos cheias de nadas
e trago na mala um mapa de escombros.
Talvez ele esteja lá, o menino.
Espero ser capaz de entender sua língua de menino.

Monólogo.

Porque você olha pro meu horror?
já tenho meus verdugos particulares
pagos a soldo de alheamento do mundo
de estranhezas, incertezas, tropeços.
Por favor amigo estranho, olhe pro teu,
segure minha mão se quiser
mas não olhe pro meu horror.
Minhas vicissitudes são tantas e contumazes
que já se empoleiram sobre meus muitos dias
como ramagens secas, como trempes esquecidas.
Se há algum conforto, se há alívio?
Que posso dizer hoje...
Apodrecemos.
Mas há sempre certa utilidade em fenecer
se não, alguma beleza no pejo.
Feito um tronco velho na mata úmida,
onde tamanduás vermelhos vêem escarafunchar
seu alimento.
Onde lindos corós de cabeça amarela
Vicejam sua gordura branca e rica.
É bem certo que o dono do mundo
o fez com todos seus matizes e sons únicos
para regê-los para si mesmo.
Sim, para quem escreve a sinfonia
Há grandeza no som do sofrimento,
há beleza no ostinato da dor, do riso,
do gozo, do parto, do coito,
do corpo em seu ultimo estertor.
Há extenuante beleza na decrepitude,
na criança que ensaia sua primeira queda.
Há angustiante beleza em tudo...

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O desconforto de ser.(palavras são coisas inúteis)

Padeço da moléstia de todos os homens:
Da vaidade do saber, do possuir, do ser.
Ha! Quão míseros somos em existir!
Como seria bom não precisar de reconhecimento,
de afeto, de aplausos, de nada externo.
Mas isso em si já é ambicioso e mesquinho.
Quanta altivez em nossa humildade.
Quanto lixo em nossas posses...
Coisas de metal, madeira e outras telúricas
que nos fazem tão felizes e completos.
Ela própria não reclama seus direitos, aquiesce simplesmente.
Nós possuímos tudo, e há sempre alguém menor que a gente mesmo.
Isso é vergonhoso e reconfortante.
Mas é bom saber que tudo tem um fim.
Que vamos ascender ao nada, à inexistência.
Tudo o que escrevemos, lemos, amamos
tudo, tudo, tudo, tudo vai queimar até extinguir-se.
Até ficar só o som doce do crepitar
e subiremos como fagulhas breves...

Metamorfose

Sempre tive essa parecência de árvore,
mas nunca pensei que minha natureza madeiral
ia brotar para além das ideias,
para mais que alguns ramos toscos.
Os pêlos do meu corpo estão para raizes,
estão me enterrando feito mata-pau.
Estou enrijecendo ruidosamente o tronco.
Folículos vegetais me enredam em por dentro.
Como uma criatura de Lobato, mítico.
Já tenho esperanças de cardos
já tenho vivências de embaúbas sequiosas.
Formígas moram em meus membros
e não posso mais expurga-las.
Tenho seivas, casca e nódulos
que se espalham nos costados.
Pessoas me olham como se embrutecesse
por pender feito a figueira-vermelha.
Não posso dizer-lhes, minha glote é oca.
Tenho voz de cedro roxo quando balança.
Depois de encopado, depois de retorcido
Vou ser útil, como pessoa não fui.
Tenho competência pra barco, pra berimbáu.
Talvez meninos subam-me à copa
e balancem, contem doidices de meninos
sem saber que os ouço com minha memória de homem velho,
de homem pau, de coisa.
Singrar rios, soar cantigas de roda
são minhas ambições de mato.
Já fui pote, tapera, igarapé.
Agora sou cipó.
Quero empessoar um cocho d'água
dar de beber a Burros e Bem-te-vis.
Sim senhor, bichos maiúsculos como queria seu Lobato.
Quero empuleirar Biguás e Urutaus
e terminar oco e corrompido
dentro de um rio a me atravessar as frestas.

Farinhada.

Quero escrever um poema na primeira pessoa,
como quem faz farinha.
Colher as raízes sujas de terra, enlamear-me.
Ser tosco e nutritivo como a maniva.
Apodrecer no perau, e nascer enramado.
Quero pubar devagar, e verter verbos
Mudar a serventia das palavras, estragá-las.
Espremê-las até minar caui, entorpecer.
Quero encontrar o inverso do sentido,
sentir o etéreo, sorver o súbito
como quem bebe água de cacimba na mata.
Quero domesticar lobisomens verbais
escarafunchar o sórdido, velar a nobreza.
Quero andar de costas e surtar poemas.
Quero não ser para existir de fato.
Lições de polvilho são:
A brancura; a fartura e o adensar-se.
É preciso ser puro como a fécula,
fecundo e musical como uma cabaça.
Esbofetear os adjetivos
até que eles sejam como beijus quentes,
com serventia para os dentes e língua.
Maniva, mandioca, raiz de pobre,
alimenta-me com tua simplicidade,
com tua desfaçatez calculada.
Entranhe-me a alma anoréxica
e me dê a beber de tua seiva poética.
Nenhuma poesia é maior que um pé de macaxeira.




quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Poema de Agosto

Em Agosto as arvores empoemam,
tecem manhãs e tardes cor de palha
em suas folhas já quase despertas.
Os dias transcorrem ventanosos,
e em seu ofício Agostino de sacudir,
deixam atrás de si poeira
e caras franzidas por excesso de luz e pó,
Uma luz estralada, estridente.
As chuvas quando vêem temporãs
são anunciadas por um leve cheiro
de roupas quaradas
e vozes de lavadeiras míticas.
Em agosto todos os ventos se vestem
de copiosas danças pluviais
e arranjam as touceiras de cana secas pela geada.
O dono do redemoinho assovia
chamando outros agouros de Agosto.
Juntos planejam enlouquecer os cães,
assombrar os parvos e fazer sonhar
meninos que sobem árvores.
Em Agosto não é bom casar,
mas é sem regra amasiar, embolar...
Quem tem sorte de nascer ai
vira artista ou louco.(o que é a mesma coisa)
Em agosto as flores brotam Cecílias,
Manoéis alados e Drummonds aquáticos gotejam.
Os alagados se enchem de Jobims, Rosas,
Borges e outros bichos da estação.
Tenho Agostos dentro de mim
brotando como orelhas de pau.
Em Agosto sou fecundo, sou vala
Sou terra apodrecendo de amor.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Poeminha quadrado

A paz me alvejou
e não veio sozinha.
Trouxe junto um amor
e uma calma alegria.
Veio em partes,
toda em pedaços
como num jogo de encarte,
como em banho Maria.
Uma foto ambígua,
uma tarde num banco de rua,
um abraço, embaraço,
um afago.
Um rubor que ainda arde.
A paz é leve e leviana,
mas faz cara de grave.
Quase diz o que pensa
e sempre ri com vontade.
A paz ainda é jovem,
mas já tem uma certa idade.
Ela é moça de longes,
de terras tão distantes.
De uma cidade Nova,
de antigas paragens.
De um mato-grosso de dantes.
Lugar de chuvas e estiagens.
A paz comprou família.
Tem gato, cachorro, sobrinhos.
E tem até irmãs é claro.
Tem dote e planos destarte.
A paz é legal
mas também é guerra:
em partes
Porque como toda mulher viva
está cheia de suas vontades,