quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Uma poça d'água.

Para escrever um poema
É preciso apodrecer ideias
deixá-las fermentar nalgum desutênsílio
é preciso desapessoar-se, embrutecer,
desvicerar-se de todo conceito e forma.
Não se pode valorizar as palavras
porém, toda desimportância também é grave.
É preciso falar língua de meninos
de bêbados, de doidos sãos.
Mas há os sábios e felizes
uns Quintanas que dão ciso ao ofício.
Neles, as idéias são etéreas, translúcidas.
Dão às palavras sabor e cheiro,
até ensinam certo bem viver.
São de uma outra espécie de homens.
Sou dos desterrados, dos ciganos
um tipo de acidente, uma depressão.
Vala aberta, monte ermo, cupinzeiro.
Xícara sem asa, pote sem tampa.
Inda tenho a etiqueta do fabricante
mas os números estão se apagando.
Espero meu recall, meu upgrade.
E talvez possa dar sensatez ao vernáculo.
Se Ele me desfizer de meu limbo,
se rasgar-me as vestes e me cobrir de pó,
se de todo o coração que não tenho
entregar-lhe todas as palavras que não sei,
então pode ser que ache uma trilha,
um caminho de pedras e flores brancas,
uma poça d’água no meio da caatinga,
e possa sorvê-la como Davi em terra estrangeira,
Como Sansão sedento e esvaído depois da luta.
Espero meu Remidor furar-me a orelha
e marcar-me como sua propriedade exclusiva.

Nexo

Se eu pudesse empassarava
Mas é inútil essa minha querência de bicho
sou homem me desumanizando,
coisando, estou destonando.
Quanto mais olho o torto,
mais o torto me parece torto.
Não dou sentido aos contruidos
tomo parecer no despropósito.
Um pardal idiota
fez um ninho tosco
em minha casa idiota.
Estou desentendendo.
Moscas inúteis fazem seu zunido inútil
em meu quarto inutilmente limpo.
Tenho um casal de amigos gente
que limpa sua casa todo sábado.
Tudo parece tão importante.
Eles têm líquidos azuis, em variados tons.
Imagino que sejam fluidos celestes
para assepsia de coisas e descoisas.
Conheço outro que trabalha,
tem um que estuda e planeja.
Uma está para parir, aquele foi à praia.
Outro comprou carro novo.
Um vai à igreja, o outro de férias.
Sei de um que morreu sem nome
e o nascido ganhou nome e sobrenome
Se pudesse desmanchava o feito.
Quem me dera beber um pouco de lucidez e esclarecimento.
Estou em reforma, mas não tenho planta
nem largura, nem altura, nem profundidade.
Ando oco e sem fundo.
Minha alma se descostura lentamente
apesar de as coisas estarem todas
no mesmo lugar em que deveriam.
Tudo segue seu passo
inexoravelmente sem nexo.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Um pé de macaúba.

Sou um pé de macaúba no meio da invernada
Não se pode ver nenhum outro como eu no horizonte
Minha casca esta envelhecendo, meu tronco se curva
Aquela resistência que tinha aos ventos não é mais a mesma
Uma brisa leve me esfria e me entorta todo
Já me firo com meus próprios espinhos
E minhas folhas caem antes do tempo.
No solo posso ver cachos de ideias prematuras
Já apodrecendo sem nenhum roedor para comê-las.
Aquele cheiro acre-doce dos frutos agora não sinto mais.
Aproveito as noites de vento forte e uivo
Clamando ao Senhor das embaúbas.
O único som que ouço é o farfalhar de minhas próprias folhas.
Aquela arrogância vegetal que eu tinha
Aquele viço atrevido, cheio de espinhos novos
Se foi com os últimos pés de macaúba arrancados.
Sabiás de peito amarelo não se empoleiram mais aqui
Nem mandruvás comem mais das minhas folhas
pica-paus não vem escarafunchar corós em minha casca podre.
Ouço apenas o som de grilos a noite la embaixo.
Boa companhia os grilos, sempre procurando seus pares.
Mas eles não se importam comigo.
Nem vacas, nem burros se recolhem à minha sombra rala.
Mas já estive entre amigos, já produzi frutos doces,
Com aquela carne amarela, cheirosa.
Meninos de beira de rio vinham catar
e chupar até ficar só a dura semente.
Agora apodreço lentamente
sob um céu azul e um sol que não encantam mais.

Uma fábula sobre um vaso

Um vaso com hipóteses, com ideias
enquanto é moldado, ou na queima
ainda imaturo, um vaso nascente
enquanto seca, sob o sol de agosto
é botija já corrompida, já é vaso inútil.
Sim porque um vaso não deve pensar ou querer
Não deve sentir ou imaginar outra instância.
Um vaso aquiesce simplesmente por não ser.
Enquanto seu feitor o pinta e decora
ele se pergunta por que foi feito.
Considera seu feitio, como se pudesse.
Apesar de vaso, quer-se ente.
Estúpido vaso de coisas inúteis.
Ele vê outros vasos, uns piores, uns melhores.
Mesmo assim quer saber porque sua feitura,
não compreende a mente de seu feitor
e roga-lhe que não o faça,
porque ele sabe que em fazendo-o
um dia terá que ser desfeito,
ele não quer ser desfeito,
quer apenas desesistir.
Pensa em sua cabeça oca
que talvez se ainda fosse informe,
se fosse meramente pó, ele não seria.
E não ser deve ser um grande privilégio.
Mas nalgum lugar de sua recôndita forma
nalguma fresta, nalguma ranhura
Ele teme ofender o feitor.
E permanece em sua imobilidade.
Vaso de vasos, de estranha figura.
Vaso tosco e de pouca utilidade.
Vaso de guardar memórias esquecidas.
Vaso velho, oco, vaso deixado num canto.