sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Rima.

Sou inimigo de rimas
Como sou de cismas,
Mesmo assim peguei meu cinzel,
Meu martelo e minha crina
Para escrever um poema
Que seja visto de cima.

Desci ao vale da morte
Ao norte, onde pedra é rima,
Onde a palavra estanque
Me arranque desta Turmalina.
Onde a métrica é passaporte
E é torpe tudo que se ensina.

Medra no perau profundo
A má sorte, que destarte,
É a minha talinga fina.
O casuísmo é o consorte
A régua é a minha asa,
Minha casa, minha sina.

Perdi-me em seus estames
Sedimentei-me em água de mina
Perdoem-me os poetas
Pois não sou um esteta
Aquiescer é o que me resta
Não presta a minha rima.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Memória de mim.

Esse lugar, essa estranheza
que nem existe de fato
tem minha historia, meu fato
pra eu não me esquecer de mim,
faço disto meu ato.

Faço desta coisa tosca
desse lugar sem vida
minha memória esquecida
minha cama de espantos
minha voz esmaecida.

Quando abro esta porteira
e entro nesse meu quarto
é como se fosse um parto
daquilo que de tanto beber
já estou bem cheio e farto.

Brenha.

Lidar com palavras é mentir-se,
é investigar espinhais, é coser-se
e descoser-se de juazeiros.É entornar o querer,
é derramar-se as entranhas na pedra quente.
é matéria de ferver-se em panela de barro
Em que o barro já moldado, já queimado
queima e molda de novo o novo.
Vestir-se de palavras é besuntar-se de estradas,
é a lida do vaqueiro de couros nas brenhas,
é oficio de seringueiro, de pantaneiro.
Mover-se na escuridão de verbos fugidios
e domar idéias que são réstias de luz
sobre uma folha seca adormecida,
é ver beleza no sórdido, é gozar com telúricas.
Quando eu era menino, comi uma casinha de barro
feita por um besouro flamejante e sonoro.
Tinha gosto de antigamentes, de historias.
Guardo no ventre de minhas memórias
este sabor terreal, esse tom de infinitudes.
Nesse tempo eu era domado por palavras,
Eu não as tinha na língua, mas as sorvia
sequioso como se fora sorvete de groselha.
Aquele menino que vai olhando pra trás
sou eu mesmo quando era sábio,
era profundo como o poço de Jacó.
agora sou raso, hiante.
Aquele menino que não me reconhece nele,
admirado com minha sua estultícia vai sumindo.
Entre nós há um abismo de idéias e nomes.





Ele leva consigo o segredo das minhas palavras
O mistério de toda poesia e sensações d’alma.
Fico só, em meio a xique-xiques e um Juá interrogativo,
estou entrelaçado por caraguatás verbais...



domingo, 2 de dezembro de 2012

Famélico.

Estou vazio como um sonho esquecido
minha mãe é a escuridão
meu pai o éter.
Não sei qual é minha mão direita
não conheço minha mão esquerda.
De onde venho não tenho memórias
pra onde vou não sei o caminho.
Idiotas com diplomas apontam direções,
dão-me receitas curativas.
Eles, mesmos, os idiotas!
Tateiam na escuridão .
Não sei se estou nu ou vestido
estou apenas, e não sou guiado por nada.
Sim, sigo meu ventre,
estou preso aos meus intestinos.
Minha sobrevivência é a mais importante
de todas as coisas que tenho.
Não tenho nada, seguro-me firmemente
no desejo desesperado de viver
e à incerteza da morte tão certa.
-Porque você me olha e balança a cabeça?
-Estúpido! Acaso sabe pra onde vai?
-Não! Você apenas acredita que sabe!
Me deixe ser esta estranheza
e se embriague na sua própria.
Vamos continuar... trabalho, família,
comida, ódio, amor, disputas,
perdas, ganhos, choro, riso...
É o que somos.
Não somos nada.
-Desculpe!
Se você acha que é, apenas continue.
Não olhe pra traz. Não me veja.
Não me estenda a mão,
a escuridão nos envolve calmamente.
Compre seu carro, construa sua casa
faça alguma coisa grandiosa
pra não ser esquecido depois de apodrecer.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

PIÁU

Sua alcunha nem é nome de homem.
Vem de seus habitos, bardoso que é
remansoso, vem varzeando a vida.
Carranca, lingua preguiçosa, barba de barrancas.
É dado a interjeições aquosas.
Conta historias de bichos e peixes,
Todos conhecidos, todos catalogados.
Queixada, lambari, poita que se perdeu
Mulher escanchada em porteira: meio riso.
Do canto do olho vermelho vem um deleite,
memórias de aventuras de barra de saia.
Mas logo encharca de novo as palavras
com a água barrenta, espera silenciosa e...
Pacú, piapara, jurupencem eh eh eh..
Estica os beiços e sorve a barranca inteira.
Ele pesca até nos guardados do pensamento.
Piáu! Ele nem atende mais pelo próprio nome,
mas reconhece logo o chamado ribeirinho.
Piáu! É título, é apelido, é sua historia.
-Eu sô sozinho! Se assegura de sua força.
Mas no estofo, é solidão e um embornal de medos.
Filhos tem, mas se foram.
Amigo de bichos e bicho homem.
É homem, é peixe, é várzea,
É um Piáu ensejando gente.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Aroeira

Conheci um fazedor de poesia.
Ele ia fazendo na prosa,
ia beradiano um assunto
vortiano, cismando e pimba!
Soltava aquela risada por trás dos dentes
enquanto no miúdo dos olhos me assuntava.
Lá no oco, envinha um certo desdém,
Medindo-me a mim, pachorra,
que nem cachorro que acuou carro.
(trotinho de dever cumprido)
Dizia, com a idéia lá no mundão sem fundo:
-Pessoar estudado! (pausa pra cuspir o fumo)
Mas da vida é chá de toco!
“não desvenda o por dentro,
o que tocaia nos rim, lá no figo”.
Eu cá, estúrdio, vejo romance.
Em riba do meu caixotinho
Boto medida, analiso, classifico.
Lida de boiada, manhas de burro bardoso...
Tudo contado bem miudinho.
Serventia de raiz de Sansão,
resguardo, malassombro.
Tudo investigado na ciência.
Eu assuntando auspicioso,
entre um gole de chimarrão
e uma análise morfológica...
Estanque no peito, um deleite.
Vou sorvendo os verdes, o amargo,
O esperançoso, o aflitivo, a seca,
A enchente, a derrama da farinha,
cavalo redomão que deu coice...
Tudo bem escrito e metrificado
no rosto recalcitrado, na pele rugosa
no poema homem, escanchado
numa aroeira domada em cavalete.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Temíxtocles

Bigodinho fino por riba dos beiços,
cabelo besuntado, partido no meio,
aquela calça de tergal e chinelas,
um estalar de língua sestroso.
-Seu bigode! Tem pão?
Chap, chap, chap, é a chinela quem responde
entre dentes e um coçar nos quartos:
-Tem fi dum a égua!
Não gosta da alcunha.
O armário de pães é todo de vidro,
sobe logo aquele cheiro antigo,
cheiro de menino, cheiro de bolicho.
Raimundo Salustiano nome de pia,
mas por adoção literária “Temíxtocles”.
Homem feito em cordéis e novelas,
com idéias da capital, no meio dos bugres.
Maria-mole, suspiro, canudinho,
fumo de rolo, corda, piaçava, seu patrimônio.
Jornal é pra embrulho e desinformação.
Amores se os tinha, embaixo da tarimba
ninguém assomava, mas era notícia.
Fazer medo era seu ofício de poeta,
meninos amansava era com sete belo.
Seu segredo: o cheiro de bacurau choco,
cultivado em banhos dominicais,
com muito sebo no cabelo e leite de rosas.
Elogio era acertar a pronúncia:
-Temíxtocles!
Ele amolengava, e chiava um risinho baiano.
(tinha artéria filosofal dentro da cabaça)
Ma isso era no escondido, nos guardados.
Lá por fora era aquele tufo de cabelo fora da camisa,
um mascadinho de fumo e a inhaca.
No mais, piçarra de solidão e desafeto.
Acho que por medo de rebuliço de saia.
Atiçava umas piscadelas, mas desdizia:
-Cisco no olho ara moleque! É o cipó!
E era o magote correndo e gritando:
-Seu bigode, Seu bigode catinga de bode!




segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Cavalinho

Carroça, vermelho desbotando
parou na porta da venda parda.
sobre seu estrado, papelão.
Cavalinho pensa em seus arreios.
Mascarado, uma pata erguida
rumina uma cisma de tresantontem.
Seu rabo automático espanta
idéias e lampejos sonolentos.
Sob suas ventas a placa:
“Carvão dez real”
Não tem mais graça.
Lá dentro um estalo de pinga.
-arré fiadaputa!
Meia talagada demais de cedo.
Cavalinho meneia o cabeção moço, mas desistido.
O outro evém la de dentro zureta.
Braguilha quase aberta,
Chinela desbeiçada, mas no eito.
No peito estampa de política:
“Justiça, igualdade e responsabilidade”.
Pangaré não se engana com açúcar,
mas também não vota. –Diantanada!
Prefere andar na vazante.
Puxa o mundo nos lombos.
Mas não atina, é cavalo.

O encontro

Encontrei a poesia,
o lirismo, a verdade,
o absoluto.
Encontrei Deus.
Sob denso matagal
um rego d’água cochicha,
vestido de areia branca.
No barranco,
bosta de minhoca arribava.
Em maravilhoso surround
um passarinho amarelo profetizava.
-Furuli! Furuli!
Coisa de muita lonjura, mas certeiro.
Uma pedra negra vestida de limbo
mudou-se para aquele canto, e ele mesmo
o limbo era densa floresta.
Carazinhos se escondiam no lodo.
Bambuzeiro, uma perereca de butuca,
embaúba e um rola-bosta carrancudo.
Maravilhosa desordem,
perfeito emaranhado de cipós,
talos e troncos cobertos de viadutos para formigas pretas.
Um besouro obtuso varria o quintal.
Toscanejando num pau podre, sua janela,
um coró cabeçudo reluzia.
Havia uma certeza:
Não somos necessários.
A consciência embrutece.
Retornarmos ao pó talvez seja nossa única grandeza.
Preciso ver os emails.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Experiência

Amanheceu completamente
e o mesmo sol veio descansar
em minha janela desbotada
de seu ofício de quarar
lençóis e fronhas que de ontem
destilam sonhos amarelados.
Lanço mão aos esquecidos
em minha gaveta emperrada
uma fita cassete e uma caneta rota
ainda se tocam fraternalmente.
Dentro, alguma canção engasgada
guarda verbos antigos
desbotados pelo desuso.
Eu, como a jaqueira sonolenta,
Envileço.
Ela é como um ferro a brasas
bonito, serve pra decorar.
Jaqueira estúpida.
Beijos e rubores juvenis
sobem com uma brisa
de odores fugidios.
Onde foi parar aquele viço,
aquele gosto de aventura.
Acho que já aprendi tudo.
A novidade é enfadonha.
Séculos e séculos de experiência
me cansam mortalmente,
poitei na curva,
espero o último rebojo.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Canção outonal

Em agosto as folhas
amarelam tardes
e a esperança sobe os troncos,
enche de algazarra os caminhos,
alvoroçando as saias de antigas trilhas.
Por entre cãs de palha amarelada
o vento grita gravetos
e o capim derriça seu estio.
Toda a algazarra do mundo
agarra-se em significados frívolos.
Um trator vermelho encolhe seu dorso
enquanto pica-paus tardios lhe afagam a ferrugem.
flores antigas dançam
e seus estames perfilados por varizes
atinam para adubo,
seguidos por talos, folhinhas e areia
cirandam sua canção outonal.
Uma larva de cara branca
vem espiar o oco do dia.
Sou eu! Todo erval,
nascido entre orelhas de pau,
marias-pretas e melõezinhos de barriga inchada.
Um olho-de-boi aquiesce minha discrepância.
Vem a noite.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Agosto

Já é quase agosto
e tudo já sabe seu tempo.
Tempo de se medir
a grandeza das coisas ínfimas.
O chilreio do pardal nas copas quase sombra,
o crepitar do capim já quase seco.
É mês de agosto e todo pau seco já sabe,
todos os viventes. A pedra, a gia, o calango,
todos já sentem o hálito frio do mês de agosto.
Os mourões, o gado, a lagoa pensativa espera.
Os pequenos arbustos tecem folhas amarelas,
enquanto formigas doidas se cumprimentam.
É em agosto que as coisas empoemam
e em minha casaca um velho menino desperta
para cheirar o dia e comer as estradas antigas.
A profundidade me alcança como orvalho,
me embrenho em sua densa névoa
de lanpejos, perfumes e texturas memoriais.
O mês de agosto me consome e me renova.
Tenho esperanças inacabadas.
Touceiras de palha, casa de barro.
Um besouro atleta sai de seu olho telúrico.
Deve ser dia de casamento de raposa,
Chuva rala e sol nubente namoram no horizonte.
Queria que nunca mais acabasse,
Que o mundo terminasse em agosto.


terça-feira, 24 de julho de 2012

Rei do Brejo

Buriti taludo foi pro Brejo,
sentou praça,
fincou as unhas na lama,
Buriti ficou manso.
Teceu folhagens de um verde duro,
botou cachos.
Buriti fez-se figurão.
Em seu manto de raízes,
abrigou trairinhas, carás,
e a joaninha de boca de suvela.
Buriti aprecia os beliscões do tambiú.
Brejo denso escuro de mistérios
pra olho de menino, sua casa.
Buriti empacou sem medo de poda.
Impôs-se certo ar de patrão,
estalando vez em quando seu corpo roliço.
Esbanjando força e rigidez,
Buriti tem lentos espasmos musculares
quando vêm os empurrões do vento
que enchem a água de minúsculas ondas.
Buriti administra tudo.
Até a nobilíssima e frágil embauba curva-se.
Buriti agora é Rei.
Rei do Brejo.