quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Aroeira

Conheci um fazedor de poesia.
Ele ia fazendo na prosa,
ia beradiano um assunto
vortiano, cismando e pimba!
Soltava aquela risada por trás dos dentes
enquanto no miúdo dos olhos me assuntava.
Lá no oco, envinha um certo desdém,
Medindo-me a mim, pachorra,
que nem cachorro que acuou carro.
(trotinho de dever cumprido)
Dizia, com a idéia lá no mundão sem fundo:
-Pessoar estudado! (pausa pra cuspir o fumo)
Mas da vida é chá de toco!
“não desvenda o por dentro,
o que tocaia nos rim, lá no figo”.
Eu cá, estúrdio, vejo romance.
Em riba do meu caixotinho
Boto medida, analiso, classifico.
Lida de boiada, manhas de burro bardoso...
Tudo contado bem miudinho.
Serventia de raiz de Sansão,
resguardo, malassombro.
Tudo investigado na ciência.
Eu assuntando auspicioso,
entre um gole de chimarrão
e uma análise morfológica...
Estanque no peito, um deleite.
Vou sorvendo os verdes, o amargo,
O esperançoso, o aflitivo, a seca,
A enchente, a derrama da farinha,
cavalo redomão que deu coice...
Tudo bem escrito e metrificado
no rosto recalcitrado, na pele rugosa
no poema homem, escanchado
numa aroeira domada em cavalete.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Temíxtocles

Bigodinho fino por riba dos beiços,
cabelo besuntado, partido no meio,
aquela calça de tergal e chinelas,
um estalar de língua sestroso.
-Seu bigode! Tem pão?
Chap, chap, chap, é a chinela quem responde
entre dentes e um coçar nos quartos:
-Tem fi dum a égua!
Não gosta da alcunha.
O armário de pães é todo de vidro,
sobe logo aquele cheiro antigo,
cheiro de menino, cheiro de bolicho.
Raimundo Salustiano nome de pia,
mas por adoção literária “Temíxtocles”.
Homem feito em cordéis e novelas,
com idéias da capital, no meio dos bugres.
Maria-mole, suspiro, canudinho,
fumo de rolo, corda, piaçava, seu patrimônio.
Jornal é pra embrulho e desinformação.
Amores se os tinha, embaixo da tarimba
ninguém assomava, mas era notícia.
Fazer medo era seu ofício de poeta,
meninos amansava era com sete belo.
Seu segredo: o cheiro de bacurau choco,
cultivado em banhos dominicais,
com muito sebo no cabelo e leite de rosas.
Elogio era acertar a pronúncia:
-Temíxtocles!
Ele amolengava, e chiava um risinho baiano.
(tinha artéria filosofal dentro da cabaça)
Ma isso era no escondido, nos guardados.
Lá por fora era aquele tufo de cabelo fora da camisa,
um mascadinho de fumo e a inhaca.
No mais, piçarra de solidão e desafeto.
Acho que por medo de rebuliço de saia.
Atiçava umas piscadelas, mas desdizia:
-Cisco no olho ara moleque! É o cipó!
E era o magote correndo e gritando:
-Seu bigode, Seu bigode catinga de bode!




segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Cavalinho

Carroça, vermelho desbotando
parou na porta da venda parda.
sobre seu estrado, papelão.
Cavalinho pensa em seus arreios.
Mascarado, uma pata erguida
rumina uma cisma de tresantontem.
Seu rabo automático espanta
idéias e lampejos sonolentos.
Sob suas ventas a placa:
“Carvão dez real”
Não tem mais graça.
Lá dentro um estalo de pinga.
-arré fiadaputa!
Meia talagada demais de cedo.
Cavalinho meneia o cabeção moço, mas desistido.
O outro evém la de dentro zureta.
Braguilha quase aberta,
Chinela desbeiçada, mas no eito.
No peito estampa de política:
“Justiça, igualdade e responsabilidade”.
Pangaré não se engana com açúcar,
mas também não vota. –Diantanada!
Prefere andar na vazante.
Puxa o mundo nos lombos.
Mas não atina, é cavalo.

O encontro

Encontrei a poesia,
o lirismo, a verdade,
o absoluto.
Encontrei Deus.
Sob denso matagal
um rego d’água cochicha,
vestido de areia branca.
No barranco,
bosta de minhoca arribava.
Em maravilhoso surround
um passarinho amarelo profetizava.
-Furuli! Furuli!
Coisa de muita lonjura, mas certeiro.
Uma pedra negra vestida de limbo
mudou-se para aquele canto, e ele mesmo
o limbo era densa floresta.
Carazinhos se escondiam no lodo.
Bambuzeiro, uma perereca de butuca,
embaúba e um rola-bosta carrancudo.
Maravilhosa desordem,
perfeito emaranhado de cipós,
talos e troncos cobertos de viadutos para formigas pretas.
Um besouro obtuso varria o quintal.
Toscanejando num pau podre, sua janela,
um coró cabeçudo reluzia.
Havia uma certeza:
Não somos necessários.
A consciência embrutece.
Retornarmos ao pó talvez seja nossa única grandeza.
Preciso ver os emails.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Experiência

Amanheceu completamente
e o mesmo sol veio descansar
em minha janela desbotada
de seu ofício de quarar
lençóis e fronhas que de ontem
destilam sonhos amarelados.
Lanço mão aos esquecidos
em minha gaveta emperrada
uma fita cassete e uma caneta rota
ainda se tocam fraternalmente.
Dentro, alguma canção engasgada
guarda verbos antigos
desbotados pelo desuso.
Eu, como a jaqueira sonolenta,
Envileço.
Ela é como um ferro a brasas
bonito, serve pra decorar.
Jaqueira estúpida.
Beijos e rubores juvenis
sobem com uma brisa
de odores fugidios.
Onde foi parar aquele viço,
aquele gosto de aventura.
Acho que já aprendi tudo.
A novidade é enfadonha.
Séculos e séculos de experiência
me cansam mortalmente,
poitei na curva,
espero o último rebojo.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Canção outonal

Em agosto as folhas
amarelam tardes
e a esperança sobe os troncos,
enche de algazarra os caminhos,
alvoroçando as saias de antigas trilhas.
Por entre cãs de palha amarelada
o vento grita gravetos
e o capim derriça seu estio.
Toda a algazarra do mundo
agarra-se em significados frívolos.
Um trator vermelho encolhe seu dorso
enquanto pica-paus tardios lhe afagam a ferrugem.
flores antigas dançam
e seus estames perfilados por varizes
atinam para adubo,
seguidos por talos, folhinhas e areia
cirandam sua canção outonal.
Uma larva de cara branca
vem espiar o oco do dia.
Sou eu! Todo erval,
nascido entre orelhas de pau,
marias-pretas e melõezinhos de barriga inchada.
Um olho-de-boi aquiesce minha discrepância.
Vem a noite.