sexta-feira, 24 de maio de 2013

A modernidade.

Sintonizei um ipê roxo no brejo
pra ouvir os reclames do sabiá
que em tom de protesto sombreava chuva.
A pomba do mato, em baixa frequência,
uava seu ovo num ingazeiro pançudo.
O sol quarava um rego d'água esgueiroso
que cheirava a domingo de sol com chuva.
Espreguicei uma certeza abundante:
Na brenha, o governo é do jãodebarro.
Ele tem seu porfazer, seu passo-pulo,
seu destemor de coisaruim.
Desdenha toda modernidade fora do mato.
(No mato o contemporâneo é árvore)
Em baixo de um pau torto tem um coró,
rolinha que botou agouro nele teceu um silêncio,
mas um burro bardoso bufou espanto em todos,
é redomão em cela e arreios.
Uma nuvem de sons e cheiros conecta
minha alma numa raiz de paineira.
Ela está prenha de tantas flores
que o vento vem cheirá-la por trás.
Um caramujo olhoso espreita o dia,
suas anteninhas não pegam novela
nem a zuada da bicharia diurna,
mas ele assunta.
O quero-quero fica mentindo toca,
mas todo mundo destampa seu segredo,
já sabe que o ovo criou pernas finas.
Até coruja respeita o vizinho gralhento.
Galinha já armou rede na goiabinha brava.

domingo, 19 de maio de 2013

República


I
Passarim idêio um pouso
mas a empreitada ingigia cálculo.
(Em lingua de bicho, palavra não tem zói)
O mandorová camuflado sanfonou sob a folha
e o pinhé eriçou a plumagem feito onça,
sem perícia, confundiu antena com estame,
e a lagarta foi tecer no oco dum toco.
Foi assim a derrota do Golias.
Enquanto ela operária, partidária
cozia sua cama mimetista,
bem bordada em dois olhos carmesim,
um em cada asa de seu novo reino.

II

O louva-deus pardo, com seus óculos de boticário
Mais parece um contabilista sobre os livros.
em seu terno marrom discreto, escova as patas.
Calculando o bote, tocaia uma borboleta flamejante,
é a Vanessa braziliensis,frágil criaturinha tropical.
Pernas cruzadas, com cara de bom moço,
em pose tão beata, ataca, fere e come.
Sua sisudez proletária, sua postura sindical
não revelam a frieza do caçador solitário.
Mas ele não tem pressa, tem por Senhorio
Um velho barbudo, deus de toda peçonha.

III

A formiga cabeçuda fez um ninho de terra branca,
em volta, coroou com gravetos e folhinhas secas.
Diligentes como deputados, fiscalizam o séquito
que vem trazendo folhas maiores que seu corpo.
Pelo caminho trocam frases em formiguês e seguem.
Numa ampla câmara com ar condicionado estacionam.
A presidenta aquiesce, orgulhosa de seus soldadinhos vermelhos
Cônscia da breve turbulência lá fora, ela segue sua campanha.
Nada teme, sua vida será boa e longa,
ela também tem seu deus bonachão a lhe guiar...