segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Disléxico

Querem botar ordem em minha pessoa,
me organizar, colocar medidas de homem
mas não sou mensurável.
Estou na terceira pessoa o tempo todo.
Ainda brinco de ser gente grande
mas sempre erro os combinamentos.
Estou mais para embaúva que cerejeira
e sou habitado por formigas de fogo.
Sou oblíquo e me apaixono pelo feio
sempre que a beleza me oprime.
Mas samambaia tem tendência e métrica
por causa de que quer ser gente.
Uma mulher bonita é como borboleta-folha
se você segura, ela morre de beleza.
Mas isto não sou eu de verdade não,
meus descaminhos me perderam de mim
e só me encontro no fim das palavras.
O amor é meu medo mais profundo
porque me sulca para paragens de águas
onde me crescem flores inalcançáveis.
Acho inutilidade mais fácil que o uso,
casinha de marimbondo solteiro é perícia,
mas habilidade para o inútil tenho de sobra.
Sei fazer uma coisa inexplicável
que não serve pra nada e desarranja.
Se você não gosta de mim, me desocupe
deixe aberta a porta pra entrar passarim
vou compor um acorde passaral
e escrever um poema disléxico.

Ente

Não fui educado para ser homem
E nessa perplexidade de desomem
Não achei lugar em lugar nenhum
nem palavra em linguar nenhum.
Me desvi em rota e chegadas
e meu plantel não tinha classe.
Me feri com palavras mais que ações.
Um desamprender se consolidou
e formou-se um traduzir obstruído,
que quanto mais escrevo mais desdigo.
É o caso de se interromper o começado
mas não posso desfazer o que se não fiz.
Quem pode me explicar?
Acho que sou menos que pedra
porque ao fim me desmineraliso.
Mas o eu que desconheço em mim
vai ficar de algum modo estranho de mim,
e provavelmente mudar de estado, uma meta-coisa.
Há muita explicação e sentido em tudo,
mas desconheço menos na forma que na essência.
Sou uma parede onde não se pendurou nada.
Ainda.

Pedro Gomes

A lesma caramujou no oco da noite
deixando uma trilha de lerdeza e silencio.
Seu oficio é lesmar e gosmar o chão.
Paciente como um monge, não urge:
Seu tempo é líquido, flui e reflui molemente.
Soterrado pelo frio, escuto sua trilha brilhante;
Para música não há palavras explicatorias.
A música da lesma é oca, tem voz de limbo.
Não sou capaz de afinar o lesmal,
nem o som que faz o pensamento.
Aliás penso tanto que dói o siso.
Invejo o vazio da orelha de pau quando chove.
Tenho tenência de musgo em pau podre,
escuto com o olho e apreceio com orelha.
Tudo desinvertido, descombino a toleima.
Tenho lembranças mornas de arreios,
choupana de palha e mate no pantanal.
Meu caixeiro era pai lá, troçaiama de casa
Rádio, chita e fumo de corda era espólio.
Escrevo por modo de esvaziamento,
tem um menino catucando no eito meu.
Lá tem paus, tabuleiro e descompassos.
Um solilóquio de velhuras oblíquas
onde a lesma ensina brejos e cerrado.
Comi uma serra quando não tinha relógio
e bebi um corguinho lá em Pedro Gomes,
a cidade que minha'vó inventou.
Era feita de beijus com manteiga.
Aquilo se agarrou em mim e poetei.
Nunca mais atinei para o regular,
Agora tenho ânsias de descoisas.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Aposentadoria

O mês de agosto findou no bico da juriti
aninhada na sibipiruna desfolhando.
Ela segue atenta um camisão, calça-chinelo
que caminham no corpo de um velho embaixo.
A dois metros atrás, vai chapinando emborcada,
as chinelas da mulher a tiracolo da bolsa.
Olham pro chão, cuidam carros estúpidos.
Eles não se importam mais com bem-te-vis
nem ouvem o grito amarelo do ipê anônimo.
Em sua memória, imagens de TV e a pensão
se amontoam no chiar das folhas da Sete-copas.
O chapéu cobre valentias e conquistas esmaecidas,
gavadas em memórias bolorentas,
sempre desconfiadas pelas chinelas conjugais.
É indês o ovo da juriti choca.
A Grevilha jarretada brotará em setembro
e o pica-pau veio conferir a morte, não deu coró.
-É esperar pra ver o mês se o "Gonverno" paga certo!
-Ir à Caixa requer prano e cárculo bão!
-Uma sacola pra enrolar os documento,
olho nos malandra, um papel da senha
e algum cristão pra ler o imbróglio!
A paineira já recobrou ânimo
Já vem chamando setembro e chuva mole.
Deu cria nas flores e beija-flor azul metálico.
vem trazendo primavera nas asinhas azáfamas.
Com pressa, com pressa, ele também não vê
a juriti enganada ajeitando o ovo goro.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

A Bataia do Vardi

A geada debruçou-se sobre o pasto
e o capim derriçou espanto adormecido.
A vista deferençou, houve tumulto em baixo,
mas a folha seca é vitamina de carrapato.
Em meio a sisudez do derrubado, correria:
Esperança já deu mostras verdes no choupo
e a romanzinha está prenhe de renovo.
Nem Renoir viu a florzinha branca do cerrado.
Ela évem toda boruscada de teimosia.
Renitente como a perobinha encascada,
não teme estio nem varagem : Embola.
No estorvo da palhagem vem um viço
que empurra a mortandade dontontem,
e a vacada vai remoendo o restolho
até a gordura do catingueiro brotar.
Ninguém põe ordem nos costados
aquela arrumação é o vento quem faz.
Vem derreando o mato por riba
até o tinguá se deita mode ordenar.
Os arabescos vão surgindo no desvão
e os tons quem dá, é a soleima do dia.
À noite um miudo chapinar se olvida,
é grilo que grila, é gia que gia.
Pro ano vem patuscada de estio
vem fogo, vem gelo.
Vem de um tudo em força e poder.
lá na bataia, onde o Vardi amoita,
a vida se desbasta de explicar
com palavras de boca de livro.
É assim só.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Arreios

O tordilho despreza toda poesia!
Ele balança a cauda longa enquanto rumina
um tanto de sapiência equina.
Vez em quando, olha-me pensante
e não lhe ocorrem rimas ou profundezas.
Lhe interessam: A silagem e a vastidão.
O desejo de grandezas me diminui imensamente
cá do outro lado da cerca baixa.
O que nos separa não é o valado.
Talvez a altivez indomitável,
a simplicitude com que aceita sua sina.
Num arroio esverdeado cochicha um escorrido.
Trata de assuntos d'algas e limbo, de lambaris e socós.
Pra'lém da matinha se esconde o sol preguiçoso,
enquanto o hálito da noite vem refrescoso.
O bardoso está livre de arreios e forçados,
Todo o peso do dia está em meus ombros.
Os ombros de dentro, onde o jugo é mais pesado.
O baio se esfrega num jatobá parido.
Um cheiro de capim me alivia a memória,
lembro-me de coisas inúteis bem guardadas
a sete chaves cortantes em gavetas emperradas.
É preciso seguir: O chimarão esfria na varanda.
Como fazer pra esquecer os arreios?
As pedras e locas das sendas d’alma?
É preciso correr um trecho d’água
Dormir em estepes novas e floridas
envergadas pela boca fria do mês de agosto.