quinta-feira, 6 de agosto de 2015

O elevador

Ao pé da besta-fera jaz seu Miro empombado.
Traz nas corcovas da cara,  um desconsolo vexado,
vergonhoso de ter perdido a mínima mulher,
que aboletou-se à caixa de metal e sumiu.
Verdade que já pensara em perde-la im antes,
mas a idade, os filhos e netos barganham o querer.
-A gente vai garrando gosto nestrem sô!
Adivinhei um mineiro no amuo escapante,
os cafés, as prosas idas e vindas, as teimas,
tudo ali pendurado no chapéu desesperançoso.
A civilidade matuta empacou-me de saber o corrido,
mas espichei uma dúvida do malogro,
tamanho o desassossego do homem.
Évem o bicho vem descendo barulhoso,
terríveis novas descambaram diligentes.
Ao tocar a campainha, espanto e um salto:
A mulher, medindo uma saca de café sortido,
trazia no sorriso desdém e superioridade
que agora superaram anos de altivez do cuiudo.
Dentro do monstro de lata muito polida,
ela era a garantia de salvação e humildade,
vez que o pavor  castrou ao Miro a intrepidez.
-Amansei burro brabo; Inté onça cacei,
mas o diabo de "levador" assenta não sô!
Confessou firmando o garrão mode queda.
- Cabra froxo! Assanhou dona Batica,
vingança boa que ela sorria se ria.
Quando a bocarra regurgitou o Miro,
não cogitou salvar a pobre do tinhoso metálico.
Alçou longe seu passo-légua rumo à sua honra,
desencilhada na porteira da modernidade.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Bolicho

No ar um cheiro de fumo e pão dormido
que se mistura ao do jornal embrulhoso.
Grandes prateleiras guarnecidas de escassez
deferencia o piso de madeira,
lhenado de sacos de farinha a granel,
sempre batizadas por um bocado à boca.
Cachaça, vermute, raizada e conhaque;
eram o bem maior da guarda de Fogoió,
sempre encostado ao balcão, media espaçoso
a fundeza daquele mundo besta que passava.
Menino menor que a bicicleta escanchava,
outro sacolejava nas ancas da mãe criança,
e um homem velho media a largura dos passos.
O bolicho era uma janela para o além;
alem das coisas, das caras, além do chão.
Cá dentro pode-se ver o longe-longe
que ninguém conta e nem assoma.
Fogoió assiste o passante e o corrente
não se movendo muito mode o calor.
Armado com um cacho de buriti seco,
espanta moscas funcionárias que lhe acometem.
O bolicho é o mundo? O mundo é o bolicho?
Não sabe nem ensina: Serve o freguês indês.
Um gole, uma carranca e um: - Será que chove?
- Sei não que três antonte deu uma aguada danada!
Revés e entrevés, segue a prosa rumo à morte,
que assunta o assunto bebericando desde o mudalém.
Talagada mais e os santos jazem todos bêbados.
É hora de fechar, mas os vãos denunciam o sol poente.
Um cheiro de comida corre a rua aos gritos,
anunciando que o dia abriu a porta da noite
e deixou entrar o gozo de descanso e silencio.
Vê que o mundo é o mesmo corrido vagaroso?
Mas no de dentro é que se sabe o quanto resta,
pera fechar a porta sem fresta nem réstia,
nem gentes, nem dentes, só o oco do mundo,
mundo novo, de onde não se tem notícia,

onde o bolicheiro não vende nem mente verdade.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Usina

Tenho pena do canavial quando deita,
sua feiura esplêndida atordoa o verde.
Em suas ruelas arrumadas a morte
montou seu acampamento e espera.
Gentes sórdidas comandam seu doce,
organizam seu bagaço em montes
e esperam o jorro volátil que fascina.

Tenho medo do canavial quando brota.
Sua folha cheia de tanta ganância
faz do eito um campo mesquinho,
nem a saúva pode com seu pleito.
Aviltaram a doçura da caiana,
sujaram os rios com seu sangue.

Tenho pena da cana quando mói.
Em seu remoer e queimar infinito,
queima consigo a gentinha rasteira
o povinho que vive em baixo,
povinho alado, povinho pardo.

Tenho pena da cana quando queima.
Em seu fragor, o progresso se avoluma
em montões de cinza e pó inúteis,
que na distância de um olho espreita
a anta quando sai pra beber,
o bandeira, o tatu, o mateiro.

Tenho pena da cana quando amontoa
índios, brancos e negros em galpões,
a espera de sua porção de açúcar e sal.

Tenho pena da cana quando avulta.
E seus senhores encastelados,
sonham com outro pau a queimar,
outra sombra, outra semente, outro regato,
insignificantes, inúteis e que não rendem.

Tenho pena da cana quando lucra
e seu dom de adoçar corroí como ácido,
o chão, o mato, a lua quando vem espiar.

Tenho pena da cana e sua nobreza
agora instrumento de açoites e pejo.

Tenho pena do João dos canaviais,
do Cabral, do Rosa, do Rego
que já não vemos mais.


sábado, 25 de julho de 2015

Joalheiro

Há por certo muitos Raimundos,
mas um, notório por não existir de fato
posto que inventado, sua voz é fado.
E deste que falo é sem rima
por sobrenome Batista, prima
barbear menos, que por contar causo.
Em Pedro Gomes, reza que assistia
seu ofício de navalha, tesouro e pia
embora montasse melhor em inventos,
com cela e arreios, nos lombos da fantasia.
Havia quem lhe cresse a porfia, como eu,
menino de antanhos , camafeu que ouvia.
Era por sombra de antigamentes que se dava
causo de onça assombrosa que morreu
ou lobisomem, - E inté arma penada!
Dai quem temia era o menino eu
que no embaixo, assuntoso idéiava.
Em seu confessório tosquiava gentes
que ovelhavam aquele mundaréco,
sempre planejando escapadas capitais,
posto que eram sonhos e venturas
que merejavam as ruelas abissais.
Eu lá, meninava um ouvido desconfiado,
aprendendo a embolorar palavras
que ainda hoje, daquele tempo alijado
recolho pedras de antigas lavras.

domingo, 19 de julho de 2015

Outro agosto

Agosto abriu sua boca fria e me engoliu;
Sourveu-me fastioso, lerdo e sem volúpia.
Pude ver por dentro seus dentes inquietos
moendo os restolhos já ressequidos da mindinha.
Um rosilho, roncoio de dois anos troteia esparçoso,
arremete bufando contra o baio e arrefece.
Nas copas, um silvo ventoso anuncia já a prenhês do mundo,
é tempo de as árvores empoemarem folhas.
Seus estames se soltam sem ruído e flanam até o chão.
Nas cidades, calçadas sórdidas ficam coloridas
e traduzem uma infinidade de matizes farfalhantes.
Coleciono agostos desde menino lá em Pedro Gomes.
Tenho uma caixa cheia de ventos e palavras inúteis:
Cisma, toleima e im'antes são destas que ajuntei.
Tenho ventos amarecelidos. Uso para desassombro.
Achei no monturo lá perdido esta: Rufião.
O Vardi que me amostrou e ensinou o sentido:
-Desbaguado que sobe na vaca mode marcar o cio!
Dai é só apartar e largar o brasino no pasto!
-Cê tem as letra guri, mas eu tenho garrão! Anuviou.
Tem também lida: desdita e tresantotem. Só por mode percisão.
-O Cuiudo não enjeita briga nem montaria! Ensina.
Eu, ventoso, olho pra dentro de um mourão corrompido,
que abrigou um vespão de riscas brancas nas patas.
A fala do Vardi vai afundando no buxo de agosto,
enquanto tento contar as cores que o bambu faz quando estala.
Sei a voz de todo pau quando geme empurrado pelo vento.
Aprendi que o rufião pega teima. -Causo da mardade!
-Presta não que morde a tropa e fica pulador!
Ensinou que o tordilho "a gente não divurga",
na boca da noite. -Tem que escuitar bem!
Tudo ponho no debaixo, por serventia que têm
todas estas coisas, são de grande utilidade e valor.





sexta-feira, 17 de julho de 2015

O barbeiro

Bem embaixo de um mundo esquecido em gaveta
fica esse lugaroso extinto em preto e branco,
onde algumas cores pintam lembranças meninas
aboletadas em uma cadeira de barbeiro,
cujo espaldar verdejento inclina-se para o nunca
e seu braço de madeira encerra certa sobriedade,
posto que assistia-lhe Raimundo (Por patente Batista).
Seus óculos agregavam-lhe certa notoriedade pública,
tal qual o padre, o alcaide, a parteira
e certo doido municipal ainda em serviço.
Contígua à navalha hesitante, cozia tia Ana
(Sua empresa diária era perfumar).
Um feijão de cheiro que pespegava dentro,
caldava seu gosto marrom até o pé da serra
encostada numa nuvem que morava lá desde antes.
(Pedro Gomes governava toda poesia que havia
albergada em alfogers do mascate Zé Bezerra).
Vinha do fundo uma cantilena gemida em stacatos
que anunciavam o caldo grosso e arroz soltinho.
O barbeiro provia cabelo e historia de onça, assombração,
valentia e certo lobisomem lá no olho d'água.
-Cunhece não? Bicho malino que é o cão!
-Só disvira pra homem em curral de merda!
Tic, tic, chap, chap a tesoura sóbria tinia.
A correia de couro mode afiar desconfiava a prosa,
o freguês confiado, com a cara cheia de chantili
nalguma vez gemia um: -hum! Oxente! Arre égua.
Nesse batido ia e desvinha ele porfiando.
Foi Raimundando longe-longe o Batista.
Fez filhos e netos, mas nem um deu barbeiro.
Seu espólio ficou-me por herança poética.
A serra derreteu a nuvem que era de algodão
e deixou no chão a marca de um tempo roto,
calcado pelos pés impiedosos do progresso.


O ninho

Uma velho caminhão obtuso passa branco.
Sua ignorância das crias é pressentida
e as cabeças não se movem por ele,
no entanto, a bicicleta com um menino vermelho
gira as parabólicas cheias de olhos sob a grama,
mas o arreceio desvanece, e o casal segue sua prosa.
Em corujês, tudo se diz com olhares ruidosos
em amarelo, perspintado por manchinhas pretas
e a bola 
que sabe tudo olhosa no meio , assente.
Estão emburacadas ali em sua casa chão faz pouco,
causo que já conheciam o lugar de im'antes da praça,
do homem-pedra, do chão preto e daquele vum que vum que vai e é'vem.
Plantaram naquele buraco antigo quatro sementes
das quais vingaram três, mode que uma adubou.
Sabedoria de coruja não tem lágrima
porque o que é'vem, é'vai do mesmo modo o dom,
tanto quanto o vento que ensina as estações.
Cá, vejo elas fingindo ninho num mourão triste,
que é assim o modo delas desorientar:
"Ausência é silêncio bem explicado,
serve de cuidado dobrado".
Provérbio corujal que todas sabem.
-Inté lá na escola delas é regra viu seu moço!
Hum hum! (Que esse sou eu assuntando).
Veio-me à memória os óculos, a régua,
a gravata e o chapéu do professor coruja.
-Escolei uma lição de buraco e cuidado hoje! Perspensei.
-Coisas que im antes sinhor nem devia de saber!
-Nunca se sabe quando tem percisão de ninho né?
-Hum hum! (Corujei mode encerrar, a prosa ia lerda).

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Malassombro


O poeta preside o monturo
e seu ofício é inútil aos construtores,
mas ele sabe coisas que não interessa
e delas nenhuma é pão:
Lobisomem se esquece quando desvira
e o rio guaçú tem carência de sufixo,
posto que sua anchura é fingida.
A seriema guarda seu ninho com ausência
e o papagaio gringo tem a fala verde.
Criança que brinca em guavirais
tem tenências a juntar palavras,
mas em tempo de chuva rala com sol,
os trieiros exalam cheiros que entorpecem.
O quero-quero engana o ninho no valado
mas o lobinho encherga  embaixo da terra.
Todo esse saber não serve para asfalto
e é inútil para fundações.
Isto é certo como o vespão quando enterra.