domingo, 25 de junho de 2017

Grotões

Não há poesia na vida
nem na morte que olha
pela porta entreaberta.
Não há poesia na libélula louca,
nem no menino que corre.
Não há poesia naquele mourão,
nem no bem-te-vi inconstante
que mercadeja a Embaúba doce.
Ela é um pangaré hesitante,
sempre mambembe, moura,
de ideias oscas como a vaca.
Carrega nua pela estradinha,
suas trempes etéreas, devaneios,
desvarios inúteis sobre paus,
penas e a serralha de flor branca.
Quem se ocupa com suas lérias
perde tempo e nada ajunta.
É ópio e fumega constante
sempre adernando, sempre tosca.
Versa ora sobre um rio ancho,
ou aquele rego d'água tiubeante,
que tirilinta um buriburi infinito.
Não constrói nenhuma valia,
mas sabe de coisas do cerrado,
do fogo que correu bicho,
da florzinha que despega voando
pelo desalinho que o vento teceu,
nas pequenas touceiras de capim,
na tarde oscilante. Somenos!
Como quando a formiga assunta o rumo,
ou quando um João-de-barro dá seu pulo-passo.
Nome de paus, de gentes, de bardas,
histórias que coisam a noite quando coisa.
Na poesia a realidade se alonga na brenha
e da lugar a nadas, a eitos vazios, a grotões.
A poesia é uma loca de antanhos.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

As vendedoras

Na avenida Calógeras,
moças ocas esperam
na porta inconsciente,
soslaio no séquito.
Esperam o freguês, o paciente,
o impeachment, o golpe transeunte.
Passam velhos, moços cansados,
passam meninos, meninas casadas.
Todos passaram...
Passou o dia, passaram os anos,
a moda passou, elas ficaram.
As moças ocas botaram brotos,
seus olhos extenuados secaram.
Mas o tempo ali não passou,
foi ficanducando, criando arestas,
deixando marcas empoeiradas,
marcas de desesperança, esperando.
O verdugo das horas marcou incessante
no descompasso de um tempo antigo,
sempre o mesmo modo, redundante.
As moças aquiesceram, sempre ocas,
repetindo o mesmo mantra
num muxoxo inaudível:
O preço, o desconto, o clima, a novela...
Bancas repletas de desejos rotos,
que o sol marcou graciosamente,
em tons de amarelo ouro, desbotando.
A conversa ensaiada, reza o mesmo:
O desgoverno, o furto, a propina...
Essas moças que regem esse mundo oco,
estão lá para fazer esquecer o desgosto,
sabendo que cada passante vai oco,
buscando o motivo de dar o próximo passo-passo,
pisadas ocas ecoam nas moças ocas
em seu mundo oco.
-Chegar freguês! É promoção!

Fastio

Viver sempre na superfície,
nos valados, no rasteiro, no grotão.
O raso é sempre seguro, não intima,
onde o mormaço oscila uma poça
e uma poeirinha besta açoita.
Sou do raso, da superfície,
rejeito profundidades e inquérito.
Quero sempre o inútil do cerrado,
a fome do lobinho, o mormaço,
o sol que finda amarelando o dia
para a noite já se inaugurando.
As demandas dos homens cansam,
sempre a mesma ladainha, o mesmo choro,
a mesma reza inútil, a mesma fome.
Tudo é solene, tudo é sagrado:
A morte, o nascimento, os laços,
a dor, a alegria, tudo é pesado...
Clérigos roçam baixo, o pasto
com sua nobreza régia, sua voz calma,
seus arreios levam seixos santos,
ossos, panos,lágrimas, lâminas etéreas.
Mas o grotão tem seu próprio lume,
sua prece sinuosa, sua volúpia,
seu burburinho aquoso, seu nume.
O carcará pinçou um pintainho
e subiu seu voo legítimo.
Uma rabeca lambeu um ingazeiro,
seco, seu dorso branqueia a casca.
O inverno no cerrado é amarelo
no capim que cresta derriçoso.
Querelas estão nas copas por pouso,
não há necessidade de ordem.
Ao fim do sol, a noite negrurou
e as manhas virão eternamente.
-Percisa não seu moço!
O que évem sempre já estava!

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Pé de serra

Naquele mundico antigo,
lá, naquele lugarojo empedernido,
onde o céu descansa na serra,
um par de asas desenhado em cartilha,
passarou uma nuvem encostada.
Piooú! Piooú! Agourou penoso em assomo.
Flap! Flap! Desenhou no ar um risco
e sujou rumo do sol pastoso.
Na estradela espichada na brenha,
pedruscos encarnados, silenciosamente
querelam um mormaço ondoso,
que sobe fumacento no meio do dia.
-Digue! Digue tu que desdigo!
-Digo não que estou com pressa!
Anum tergiversa com o branco.
(Anum branco falseia a cor)
Fogo-pagou disconcorda:
Errou! Errou!
É sempre agosto nesse lugar
guardado em gavetas de minha avó.
Estão dentro, um cheiro amarelado
de livros que se esqueceram.
Lá, os homens são pra ser lidos,
histórias de assombros medonhos.
-Mode que lobisomem é lendoso!
Desafia o Raimundo em valentia.
-Mas o homem é besta-fera!
(Ensina a didática da corrutela).
Um birim, birim de corguinho intermitente
é a música constante no quintal,
onde as manhãs são tardias
e as tardes matinais.
É a ordem, onde todo desacordo cessa,
onde o tempo desencoraja o relojoeiro.
Onde deixei minhas memórias
guardadas em gavetas abissais,
que se abrem com chaves etéreas.
Lugar inventado no im antes Mato Grosso,
no marracabelo, ao pé da serra.