quinta-feira, 11 de março de 2021

Possessão

Sou pessoa de gravetos e besouros,

coleciono folhas e sementes

e tenho uma orelha de pau amarela.

Um saci me deu um apito de pena,

diz que chama anta e desvia vento.

Tenho ideias para grilos marrons

e formigas de Embaúba mole.

A estradinha que entortou a tarde

é o meu caminho para a eternidade,

no lusco-fusco das manhãs eu medro

entre uma casca de pequizeiro

e a sucupira prenhe que solta bagos.

Minha alma é cascarosa e áspera,

tem estames, limbo e veios.

Um urutau me ensinou um toco,

enganar a morte é arte de esgueirar-se,

de folhar-se e escutar o quem-quem avuando.

Sou raso, e guardo burburinhos no bolso

mode dormir um regato na noitinha

quando évem gorgorejando a lua.

Tenho pressa não, ambições de sereno

e um calanguinho que escondi,

onde o sonho é sempre vívido,

onde deito meu cansaço, meu temor,

onde não tenho possessão nem desejo,

só o som de aluviões e um vento besta,

que desalinha folhas e pedrinhas inúteis.