quarta-feira, 21 de maio de 2014

A viagem

Na estrada tingida de cerca que desce pra Aquidauna,
tenho contentamento no capim que vai secando,
quando o mês de agosto pinta a saia da serra,
corando de pejo a brancura do mandiocão nu.
Vaca assunta o vento e destampa vale abaixo,
nelore não tem serventia pra amizade boa,
estima muita que tem no couro dele branco.
Em revés um vento prenhe de cheiro de água
trás novas de piraputanga e curimbatá beiçudo.
Um halito resfriorento anuncia chuva raleante
mas empaca, e o sol ressoa sua cantiga sempre.
É domingo e o mundo está com cara de festejo.
Verdade que ele nunca desmuda a monta
mas cá dentro o coração transfigura o corrido.
Ordinário só o anú-branco que voa bêbado,
bicho desprevenido de destreza até em cantoria.
-Anú só anda de turma! Cada grito uma cagada...
Ensinou o Dito, catucando a venta bolachuda.
Em indo, se entrevê no caminho muito grotão
e desenhos de casas e gente que amontoa.
O Dito anuncia a falência do carburador
e já são por umas cinco da tardinha anoitecida.
O piado espaçoso vai assumindo um som de agouro.
Onça lá na lonjura esticou as patas e roncou
chamando a noite pra inventar assombramento.
-Ô Dito acunha que o boião já subiu a quentura!
Partimos e a cidade vai crescendo sempre perto
até engolir devagar a sombra do automóvel,
feito a sucuri quando anela o papo-amarelo...

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Natural

Em passando por um grotão antigo
dei contemplamento na atividade d'água.
Brotava entre as folhas da capituva
um tingindo de luz amarelante
que cheirava a domingo de manhã.
Ali naquele povoejo é sabido im'antes
que quando vem o sol tenente de brilho,
o mato fica festim e acolhe grilos
e se resfestejam calangos esverdejantes.
O natural sempre anela um pé de sonho na gente
e isso vem desde dantes do homem estar.
Tudo que rasteja ou avoa é querente
com serventia pra alegrar a vista.
Bicho grande come o pequeno mas é lei
e não tem rancor nem querela no ancho.
A bazófia do joão de barro matinal
faz a gente querer estar sempre vivo
mode ver as pernotas hesitantes dele.
Que ele vem no chão minhocar o almoço
mas ta sempre de olho nos viventes...
...
Tapera é coisa de muito luxo hoje
porque o mundo transvirou em asfalto,
mas o joão pernoita é em barroquinha
que ele engenhou em barro amarelo torto,
mode o tucano que vem roubar ovo na certeza.
Tucano é desprovido de humanidade
e come os filhotes de quem descuida a cria.
Mas gente é mais pretendida em maldade,
e tucano nem pega beira com o tino nosso.


O nome e os cheiros

Minha avó sabia de antemão inventar cheiros.
Tinha cheiro de livro, cheiro de mãos velhinhas,
cheiro de beijú na janela e café manejado em bule.
Tudo com precisão de encantar meninos.
Me aprendi gostando primeiro do cheiro das coisas,
depois é que veio a ânsia de desmontar palavras.
Tudo enformado na casa de minha avó ao pé da serra,
naquele lugaroso que ainda atende por Pedro Gomes.
Por precisão de encontrar nomes de tantas olências,
apurava o olho em guardados e gavetas matinais
e sempre tinha um flavor de coisas anônimas de rastreio.
Era preciso dar razão e sentido aos achados e inventados.
Minha avó cantinava um motejo de sabiá oloroso
enquanto preparava eflúvios epicuristas no fogão.
Havia constante voz com stacatos e mordentes
que vinha de algures, sem parentesco visível.
Foi dai que faltaram palavras e desinventei a lingua,
mode caber o sentido, antes que a norma reta.
Nesse emaranhado de coisa, cheiro e gentes,
me achei velho com despropósito de vernáculo.
Tento tresantontem ontem e hoje sempre,
mas não acho mão das certitudes sensatas.
Vou construindo esse sistema rotundo
que é baseado em desidéias e tontices aluadas.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

As palavras

Diz o povo temente que quando Deus desceu
a ver a torre nascente que se engenhava no rumo do céu,
teve uma ideia torta qual que nem guri quando intenta.
Deixou o divino afazer e foi espiá por detras duma urtiga.
Desdigo que era uma ruma de corno estreando em chifre.
Diz a letra que partiu a fala da turma em dois mundo.
Os estranja de tudo que é categoria e o brasileiro nosso;
Esse nosso que o povo fala diverso, corrido e estudado.
Eu cá de minha lavra só sei uns ditos e uns garranchos.
Dos estranjas tem uns com parecência nossa que já escutei
mas no demais é um engruvinhado que embola a língua.
Seu Shizume fala um falar que parece briga feia,
mas diz o povo que é o modelo dele mesmo sempre.
Deu no radio umas modas emboladas lá deles,
mas eu cá gosto mais do cantar nosso que entoa.
Isso tudo é o que o povo diz, mas eu arretenho dúvida,
porque careço de leitura. Mas na tabuada eu avanço
que não me deixo enganar por palavrórios bestas.
Tenho cá na cabeça o nome de tudo que diviso.
Cor de cavalo, nome de pau e o decomer variado.
Todo tipo de assombração e as palavras pesadas
que só uso quando dou alguma topada em toco.
No demais quem fala muito da bom dia a cavalo,
bicho que entende tudo que se diz mas só roi remoe...
Porque se cavalo falasse ninguém lhe punha cela.

Digo.

O caso do osso

Era um osso do espinhaço da vaca;
Taludo, o tutano adesando dentro do cano,
como de menino que nunca boliu em moça.
Versava por umas onze da manhã rebrilhante
e o caldeirãozinho de ferro tungia na quentura,
cá acolá brandiam umas bagas de bolha quente.
Venício butucado no bicho mode não gorpá,
carculava já o derriçar da farinha no caldo.
A visita se aprochegou, assuntou o guisado na venta
e malandrou uma prosa que ia no rumo da boia.
O paneleiro porfiou uma desconfiançazinha bamba
que ia do osso na cara do viajante que se achegara.
-Carcula que esse ai vai lamber beiço às custas!
Trespensou o Venício embaixo do chapeluco.
Conversa vai, vem humhum hum, -Ê diacho!
O homem empacou, sentou praça na cozinha
e o caldo afina e refina, e fogo no cú do caldeirão.
Subiram serra, venderam gado, tombaram jipe,
deitaram chifre em Formoso e o osso galopando...
Num desaviso, a visita peneirou uma fala mofina:
-Ô cumpade essa boia ta cheirando no diabo!
-Eita mas tá mesmo compade, esqueci do guisado!
-Tô sem fome! Embustou o visitante mode convite.
-É pros cachorro! Rematou o compadre já aguado.
Sucedeu um" te mais vorta sempre quiédecasa"
eo cachorro na soleira com as jabuticaba
saindo da caveira rumo do bem-bão garantido a finado.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Outro lado

Zé Piloura era um cabra de maus arreios
sempre com um cuidar rasteiro no olhar
e no branco do zói um agouro, um expectar.
Na boca um sorrizoto rastejante e indeciso
mode desdenhar um qualquer desconcerto.
No trato taciturno pouca fala na voz de tronco,
um arremedo de bugiu chamando chuva.
Mas tinha lá no quengo qualquer sombra
que se traduzia em perguntas engolidas feito caroço
quando a prosa pegava o rumo do céu e seus etéreos.
Ensimesmado não aluia com o divino
mas tinha seus arreceios da monta das virtudes.
No acontecido do tamanduá que cercou compadre
escarneceu da prosa e cusparou um desdém.
-Água que recorre transcorre cumpadi! O Vardi recitou.
-Caçoa não que évem e revém! Deus faz prova!
No recorrer do tempo deu semelhança o caso
e o bandeira trasmudou o normal do medo de homem
numa curva onde a lua estava inchada de vermelho.
Evai évem o Zé, e o bicho não arredava do intento.
Bala comeu no centro, pipocou a porva no ar indeciso.
Mas a coisa descoisou em lusco fusco e sucedeu o nada.
Zé Piloura agourou o compadre que ensinou-lhe o assomo.
Porque do mundo das coisas que trasmudam o corrido comum
é que o temor se veste e reveste de certezas e silêncios.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Mula velha...

A vida vai ficando mais conforme na muda do pêlo.
Quando as cãs vão merejando a carapina
o dorso vai acatando as ordenanças dos calejos
e a vida vai escorrendo pelo vagar do atinamento.
Um certo desleixo com ofensas e obstinações
se traduzem sob o esgar de um esquecimento voluntário.
Barda e muita desquerência pelos novos inventantados.
Acontecências que desregulam o corrido já sulcado,
são um incomodamento a mais sem precisão de ser.
Em sendo, é olhar por riba do eito e cuspir cumprido
pra espantar as formigas que festejam um grilo fenecido.
Dor onde outras já urdiram permanências,
calombos e assomos de um mortejar inda longe mas certo.
A roda evém girando e é sempre o mesmo rodar de dantes;
Embora o juízo das coisas vão deferençando o óbvio.
Réstias de ideias safadosas vão desbotando num canto
onde antes ululavam pegajosa meninice.
O apreceio trasmuda em cor e descor
em lusco fusco, em querer e desquerer.
É preciso acostumância com o batido
levar somente a traia que enche o bucho,
o demais deixar pra quem tem carregadura mais moça,
que mula velha enjeita cela e serventia.

O valor de cada um

Talqualmente o outono quando évem
traz de solapa um respingo de aconchego
enoitando mais cedo o céu púmbleo
e perspegando o mate na língua d'almas.
A chuva fica encangaçada no oitão do mundo
fazendo a tarde ser denoite no relógio do galo.
O povinho temente a Deus, no enroda do fogão
desce a porva do lombo do gunverno ladrão.
Entre uma cuiada e outro, gavam um vereador bão de mais
que inté dá carona pra quem vai pros lado do corgo.
Mormente o surrupio do nosso "Eis roba mais faz!"
Sentencia o Vardi enquanto lava os terém do mate.
Cá no canto, compadre assente com um: "Hum hum".
A latomia do brejo vai deitando na brenha baixa
mas coruja já botou os óculos pra ler a noite,
que no calar das vozes, bicho sabido assunta
mode garantir o seu bocado, tirado dos menosvalia,
como os sapos e as pererecas lambisgoias,
ocupados que estão em ensaiar o coro de chuva.
O mate quentou e requentou a noite começante.
No farnesim da prosa, o Vardi alembrou causos e feitas.
-No tempo do finado fulano e sicrano tinha esteio
Que os homi era tudo rico, nem carecia roubar!
O deputado tal e tal era simpres, falava com todos.
-Numa feita me arrumou inté uns remédio pra muié!
Agora ta virado no setenta. Uma ingrisia só.
Tamanduá vem na cerca furmigar um cheiro.
A prosa pegou o rumo dos queixadas no São Bento,
resvalaou num causo de corno arrecem inaugurado,
um guaipeca maiado que a sucuri comeu no varjão...
Amiuduou, chegando mesmo à total circunspecção.
Tibungou no sobroso do almoço já virando em janta.
Amanhã o garrão tem que tá pronto pro batido.
-Gunverno não dá camisa pra ninguém não.