terça-feira, 22 de outubro de 2013

Insuficiência de palavras

-Devia de existir um inventor de palavras!
Que a vida é tão diversa e mutante que não cabe
na língua dos livros o nome de todas as coisas que são!
O povo rasteiro sempre inventa seu ditos
mas quase não tem serventia para os sábios.
Eu quero aprender a recolher palavras tortas,
aquelas que são cacos de telha, restos de fala.
Voz de guaipecas, de brenha quando anoitece,
da enxada quando retine na raiz do pau-ferro.
Nesse restolho, tudo tem serventia e convida;
Como quando o bandeira se arvora e chama briga.
Naquele caminho ninguém passa porque ele encrenca.
Fala de assombração é turva e arrepia o pêlo.
Lobisomem também tem barda
e esconde a fala no meio da mata pra aluar noite clara.
Lá naquela curva tem um mandiocão caído,
diz que lá aparece uma moça, ela chora os desditos
mas não deixa ninguém passar. Cavalo assunta de longe.
Como se chama o medo de alma penada?
Sabe não? Arruda espanta inveja e mosquito,
mas o medonho mesmo fica dentro da gente.
Tem coisa que não tem nem nome e a gente chama
porque acostuma com o corrido, com o dito.
Mas o inominável só o homem sabe fazer.
Tem sempre um inventando um modo de
maleitar o outro, de turvar-lhe o sentido,
de sujar até a alma branca das crianças.
Tem palavras que nunca vão ser ditas
porque não serão suficientes para explicar o bicho
que corre o oco do homem lá bem dentro.

A tropa

O tamanduá mirim escuta o cheiro na lonjura do valado
vai passando, tem pressa: Assunto de cupins e formigas.
-Na casa do véi papudo tem três moça bonita pronta!
No de noite alumiam as barras da saia com alvoroço.
No pouso do gado, o velho forniqueiro põe língua em tudo,
aumenta pasto, guampa e valentia em cordéis sem fim.
Sete dias no eito. Sol, chuva e cantoria vai tinindo vaca.
Voz de gado amansa o coração cansado e arvorece.
-Eram cinco no comboio daquela vez eu alembro!
-O ponteiro? era o Vardi sempre massarando o fuminho!
-Venancio era o culateiro e fazia um boião arvorado!
-Cumpadi Venicius? Esse era meieiro e proseador bão!
-O fiador era um não sei quem mais o outro treiteiro!
É chuva? Capim margoso vai cacheando as cepas viçoso.
O coração tangedor vai assuntando o rancho
e o vislumbre das moças vai puxando a tropa debalde.
Na toada da vida, o garrão do homem também se doma.
Amolece em vestidos que guardam segredos vestutos.
O fiar vagaroso do fumo no papel pardo não barulha
é sinal da boia que enche, enche, enche o ar respingoso de janta.
Charque, depois café e um pito intermitente na velha rede.
No claro do dia já vai longe o pensamento, aboiando,
saudadejando uma lembrança turva de coisa boa que ficou
na poeira da boiadeira. O mundo não tem pressa.
Saudade é uma felicidade tecida em dorzinha fina
que vai catucando um montinho de alegrias passas.
Mas vaca não tem lembrança, só de sal e do riachinho
que vai merejando a jornada infinita para o mar...