sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A historia de um nome

Zé Badalo, por demasia de gavar o ofício,
ganhou dele o epitáfio e notoriedade.
O Porfíro ria desbragado do cheira batina,
mas uma ponta de inveja assomava-lhe o franzido.
A graça se lhe achava na sisudez domingueira
dada a desimportãnça do serviço de badalar.
Zé pulava cedo, ensebava a carapina rala,
metia-lhe o panamá meticulosamente
e empinava rumo ao campanário.
Deixava a chifruda na porta tombada
e subia as escadas obsequioso:
-Mode os morcego!
Dizia ser a "prantaforma" do cão aquela revoada.
Punha-se ao pé do sino e porfiava uma reza
enquanto enrolava o paieiro piedoso.
As seis em ponto, hora do sol reluzir na campana,
rufava o cacete no sono dos cristãos dominicais.
Pedro Delator esganiçava um agouro ao Zé:
-Fi duma ronca e fuça!
Seguia rumoroso rumo a cozinha
onde Mariinha já tirara o torto
com farofa de torresmo e café.
Tião charreteiro vinha estalando os beiços com o petiço,
que de burro só tinha o nome e os arreios.
O lubuno tinha decorado o cheiro da grama da igreja.
Era dia de batismo na vila branca.
Maria Rolon deu cria do Olímpio sem braço.
Não carecia convite, correio era o zunido.
-Já envinha o Arlindo, seu Tico e a famia,
o Cirino Torto, o Porfiro e um povaréu!
A Cida Bosta ficava ao pé do Frei Luiz
onde a pecha lhe era desviada.
À pia desceu o menino agora por nome Sidinei.
Coisa que Maria apanhara em novela.
-O sonso do Olimpo não parpitou!
Especialista em rezar cobra, quebranto, tiriça e trazer marido,
Ressentia do desagravo do clérigo.
Todos juntos para o ofício na nave translúcida,
assuntavam ainda dormentes mas contritos
o embróglio religioso por demais de comprido.
No ar, acima da embolada de pensamentos,
um gradiente de olores, odores, venturas e desventuras
que subiam aos céus rumo aos portais eternos,
para o registro imediato do nome do menino:
Sidinei Damasceno Da Anunciação,
Agora por nome Neizim de Maria.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Insuficiência de palavras

-Devia de existir um inventor de palavras!
Que a vida é tão diversa e mutante que não cabe
na língua dos livros o nome de todas as coisas que são!
O povo rasteiro sempre inventa seu ditos
mas quase não tem serventia para os sábios.
Eu quero aprender a recolher palavras tortas,
aquelas que são cacos de telha, restos de fala.
Voz de guaipecas, de brenha quando anoitece,
da enxada quando retine na raiz do pau-ferro.
Nesse restolho, tudo tem serventia e convida;
Como quando o bandeira se arvora e chama briga.
Naquele caminho ninguém passa porque ele encrenca.
Fala de assombração é turva e arrepia o pêlo.
Lobisomem também tem barda
e esconde a fala no meio da mata pra aluar noite clara.
Lá naquela curva tem um mandiocão caído,
diz que lá aparece uma moça, ela chora os desditos
mas não deixa ninguém passar. Cavalo assunta de longe.
Como se chama o medo de alma penada?
Sabe não? Arruda espanta inveja e mosquito,
mas o medonho mesmo fica dentro da gente.
Tem coisa que não tem nem nome e a gente chama
porque acostuma com o corrido, com o dito.
Mas o inominável só o homem sabe fazer.
Tem sempre um inventando um modo de
maleitar o outro, de turvar-lhe o sentido,
de sujar até a alma branca das crianças.
Tem palavras que nunca vão ser ditas
porque não serão suficientes para explicar o bicho
que corre o oco do homem lá bem dentro.

A tropa

O tamanduá mirim escuta o cheiro na lonjura do valado
vai passando, tem pressa: Assunto de cupins e formigas.
-Na casa do véi papudo tem três moça bonita pronta!
No de noite alumiam as barras da saia com alvoroço.
No pouso do gado, o velho forniqueiro põe língua em tudo,
aumenta pasto, guampa e valentia em cordéis sem fim.
Sete dias no eito. Sol, chuva e cantoria vai tinindo vaca.
Voz de gado amansa o coração cansado e arvorece.
-Eram cinco no comboio daquela vez eu alembro!
-O ponteiro? era o Vardi sempre massarando o fuminho!
-Venancio era o culateiro e fazia um boião arvorado!
-Cumpadi Venicius? Esse era meieiro e proseador bão!
-O fiador era um não sei quem mais o outro treiteiro!
É chuva? Capim margoso vai cacheando as cepas viçoso.
O coração tangedor vai assuntando o rancho
e o vislumbre das moças vai puxando a tropa debalde.
Na toada da vida, o garrão do homem também se doma.
Amolece em vestidos que guardam segredos vestutos.
O fiar vagaroso do fumo no papel pardo não barulha
é sinal da boia que enche, enche, enche o ar respingoso de janta.
Charque, depois café e um pito intermitente na velha rede.
No claro do dia já vai longe o pensamento, aboiando,
saudadejando uma lembrança turva de coisa boa que ficou
na poeira da boiadeira. O mundo não tem pressa.
Saudade é uma felicidade tecida em dorzinha fina
que vai catucando um montinho de alegrias passas.
Mas vaca não tem lembrança, só de sal e do riachinho
que vai merejando a jornada infinita para o mar...

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Disléxico

Querem botar ordem em minha pessoa,
me organizar, colocar medidas de homem
mas não sou mensurável.
Estou na terceira pessoa o tempo todo.
Ainda brinco de ser gente grande
mas sempre erro os combinamentos.
Estou mais para embaúva que cerejeira
e sou habitado por formigas de fogo.
Sou oblíquo e me apaixono pelo feio
sempre que a beleza me oprime.
Mas samambaia tem tendência e métrica
por causa de que quer ser gente.
Uma mulher bonita é como borboleta-folha
se você segura, ela morre de beleza.
Mas isto não sou eu de verdade não,
meus descaminhos me perderam de mim
e só me encontro no fim das palavras.
O amor é meu medo mais profundo
porque me sulca para paragens de águas
onde me crescem flores inalcançáveis.
Acho inutilidade mais fácil que o uso,
casinha de marimbondo solteiro é perícia,
mas habilidade para o inútil tenho de sobra.
Sei fazer uma coisa inexplicável
que não serve pra nada e desarranja.
Se você não gosta de mim, me desocupe
deixe aberta a porta pra entrar passarim
vou compor um acorde passaral
e escrever um poema disléxico.

Ente

Não fui educado para ser homem
E nessa perplexidade de desomem
Não achei lugar em lugar nenhum
nem palavra em linguar nenhum.
Me desvi em rota e chegadas
e meu plantel não tinha classe.
Me feri com palavras mais que ações.
Um desamprender se consolidou
e formou-se um traduzir obstruído,
que quanto mais escrevo mais desdigo.
É o caso de se interromper o começado
mas não posso desfazer o que se não fiz.
Quem pode me explicar?
Acho que sou menos que pedra
porque ao fim me desmineraliso.
Mas o eu que desconheço em mim
vai ficar de algum modo estranho de mim,
e provavelmente mudar de estado, uma meta-coisa.
Há muita explicação e sentido em tudo,
mas desconheço menos na forma que na essência.
Sou uma parede onde não se pendurou nada.
Ainda.

Pedro Gomes

A lesma caramujou no oco da noite
deixando uma trilha de lerdeza e silencio.
Seu oficio é lesmar e gosmar o chão.
Paciente como um monge, não urge:
Seu tempo é líquido, flui e reflui molemente.
Soterrado pelo frio, escuto sua trilha brilhante;
Para música não há palavras explicatorias.
A música da lesma é oca, tem voz de limbo.
Não sou capaz de afinar o lesmal,
nem o som que faz o pensamento.
Aliás penso tanto que dói o siso.
Invejo o vazio da orelha de pau quando chove.
Tenho tenência de musgo em pau podre,
escuto com o olho e apreceio com orelha.
Tudo desinvertido, descombino a toleima.
Tenho lembranças mornas de arreios,
choupana de palha e mate no pantanal.
Meu caixeiro era pai lá, troçaiama de casa
Rádio, chita e fumo de corda era espólio.
Escrevo por modo de esvaziamento,
tem um menino catucando no eito meu.
Lá tem paus, tabuleiro e descompassos.
Um solilóquio de velhuras oblíquas
onde a lesma ensina brejos e cerrado.
Comi uma serra quando não tinha relógio
e bebi um corguinho lá em Pedro Gomes,
a cidade que minha'vó inventou.
Era feita de beijus com manteiga.
Aquilo se agarrou em mim e poetei.
Nunca mais atinei para o regular,
Agora tenho ânsias de descoisas.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Aposentadoria

O mês de agosto findou no bico da juriti
aninhada na sibipiruna desfolhando.
Ela segue atenta um camisão, calça-chinelo
que caminham no corpo de um velho embaixo.
A dois metros atrás, vai chapinando emborcada,
as chinelas da mulher a tiracolo da bolsa.
Olham pro chão, cuidam carros estúpidos.
Eles não se importam mais com bem-te-vis
nem ouvem o grito amarelo do ipê anônimo.
Em sua memória, imagens de TV e a pensão
se amontoam no chiar das folhas da Sete-copas.
O chapéu cobre valentias e conquistas esmaecidas,
gavadas em memórias bolorentas,
sempre desconfiadas pelas chinelas conjugais.
É indês o ovo da juriti choca.
A Grevilha jarretada brotará em setembro
e o pica-pau veio conferir a morte, não deu coró.
-É esperar pra ver o mês se o "Gonverno" paga certo!
-Ir à Caixa requer prano e cárculo bão!
-Uma sacola pra enrolar os documento,
olho nos malandra, um papel da senha
e algum cristão pra ler o imbróglio!
A paineira já recobrou ânimo
Já vem chamando setembro e chuva mole.
Deu cria nas flores e beija-flor azul metálico.
vem trazendo primavera nas asinhas azáfamas.
Com pressa, com pressa, ele também não vê
a juriti enganada ajeitando o ovo goro.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

A Bataia do Vardi

A geada debruçou-se sobre o pasto
e o capim derriçou espanto adormecido.
A vista deferençou, houve tumulto em baixo,
mas a folha seca é vitamina de carrapato.
Em meio a sisudez do derrubado, correria:
Esperança já deu mostras verdes no choupo
e a romanzinha está prenhe de renovo.
Nem Renoir viu a florzinha branca do cerrado.
Ela évem toda boruscada de teimosia.
Renitente como a perobinha encascada,
não teme estio nem varagem : Embola.
No estorvo da palhagem vem um viço
que empurra a mortandade dontontem,
e a vacada vai remoendo o restolho
até a gordura do catingueiro brotar.
Ninguém põe ordem nos costados
aquela arrumação é o vento quem faz.
Vem derreando o mato por riba
até o tinguá se deita mode ordenar.
Os arabescos vão surgindo no desvão
e os tons quem dá, é a soleima do dia.
À noite um miudo chapinar se olvida,
é grilo que grila, é gia que gia.
Pro ano vem patuscada de estio
vem fogo, vem gelo.
Vem de um tudo em força e poder.
lá na bataia, onde o Vardi amoita,
a vida se desbasta de explicar
com palavras de boca de livro.
É assim só.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Arreios

O tordilho despreza toda poesia!
Ele balança a cauda longa enquanto rumina
um tanto de sapiência equina.
Vez em quando, olha-me pensante
e não lhe ocorrem rimas ou profundezas.
Lhe interessam: A silagem e a vastidão.
O desejo de grandezas me diminui imensamente
cá do outro lado da cerca baixa.
O que nos separa não é o valado.
Talvez a altivez indomitável,
a simplicitude com que aceita sua sina.
Num arroio esverdeado cochicha um escorrido.
Trata de assuntos d'algas e limbo, de lambaris e socós.
Pra'lém da matinha se esconde o sol preguiçoso,
enquanto o hálito da noite vem refrescoso.
O bardoso está livre de arreios e forçados,
Todo o peso do dia está em meus ombros.
Os ombros de dentro, onde o jugo é mais pesado.
O baio se esfrega num jatobá parido.
Um cheiro de capim me alivia a memória,
lembro-me de coisas inúteis bem guardadas
a sete chaves cortantes em gavetas emperradas.
É preciso seguir: O chimarão esfria na varanda.
Como fazer pra esquecer os arreios?
As pedras e locas das sendas d’alma?
É preciso correr um trecho d’água
Dormir em estepes novas e floridas
envergadas pela boca fria do mês de agosto.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Insônia

O rego d'água quando corre riachoso
pensa em grotões anchos, prenhes de carás.
Lá na légua ele vai se amontoando
em aguarias de muita chuva.
Vai ajuntando lama de folhas
e emburacando um corgo.
Seu ofício é preencher, ajuntar,
apodrecer paus e semear tuviras.
Um rego d'água permanece.
Sua desimportância é maior que o Paraná.
mas é debaixo de sua saia que nascem
os caudalosos, os peixosos .
Tem olho pequeno e nome engraçado:
Batalha, Ceroula, Corguim, Lambari!
Sempre merejando sua insignificância
vai dando nomes e barranco pros graúdos.
Só crianças e passarinhos gostam dele.
Da pra enterrar o pé na areia,
encher o papo e chutar água.
Sapo também fez seu girau
pra reclamar gia na boca da noite.
Evém vindo ela botar rede.
E lá do rancho da pra escutar
o fluir escorrido d´água de sonho,
vai entrando no ouvido,
enchendo o corpo de torpor,
amolecendo o pensamento e...
Glubblubglibblubglugssssssssssss...

Insônia

O rego d'água quando corre riachoso
pensa em grotões anchos, prenhes de carás.
Lá na légua ele vai se amontoando
em aguarias de muita chuva.
Vai ajuntando lama de folhas
e emburacando um corgo.
Seu ofício é preencher, ajuntar,
apodrecer paus e semear tuviras.
Um rego d'água permanece.
Sua desimportância é maior que o Paraná.
mas é debaixo de sua saia que nascem
os caudalosos, os peixosos .
Tem olho pequeno e nome engraçado:
Batalha, Ceroula, Corguim, Lambari!
Sempre merejando sua insignificância
vai dando nomes e barranco pros graúdos.
Só crianças e passarinhos gostam dele.
Da pra enterrar o pé na areia,
encher o papo e chutar água.
Sapo também fez seu girau
pra reclamar gia na boca da noite.
Evém vindo ela botar rede.
E lá do rancho da pra escutar
o fluir escorrido d´água de sonho,
vai entrando no ouvido,
enchendo o corpo de torpor,
amolecendo o pensamento e...
Glubblubglibblubglugssssssssssss...

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A modernidade.

Sintonizei um ipê roxo no brejo
pra ouvir os reclames do sabiá
que em tom de protesto sombreava chuva.
A pomba do mato, em baixa frequência,
uava seu ovo num ingazeiro pançudo.
O sol quarava um rego d'água esgueiroso
que cheirava a domingo de sol com chuva.
Espreguicei uma certeza abundante:
Na brenha, o governo é do jãodebarro.
Ele tem seu porfazer, seu passo-pulo,
seu destemor de coisaruim.
Desdenha toda modernidade fora do mato.
(No mato o contemporâneo é árvore)
Em baixo de um pau torto tem um coró,
rolinha que botou agouro nele teceu um silêncio,
mas um burro bardoso bufou espanto em todos,
é redomão em cela e arreios.
Uma nuvem de sons e cheiros conecta
minha alma numa raiz de paineira.
Ela está prenha de tantas flores
que o vento vem cheirá-la por trás.
Um caramujo olhoso espreita o dia,
suas anteninhas não pegam novela
nem a zuada da bicharia diurna,
mas ele assunta.
O quero-quero fica mentindo toca,
mas todo mundo destampa seu segredo,
já sabe que o ovo criou pernas finas.
Até coruja respeita o vizinho gralhento.
Galinha já armou rede na goiabinha brava.

domingo, 19 de maio de 2013

República


I
Passarim idêio um pouso
mas a empreitada ingigia cálculo.
(Em lingua de bicho, palavra não tem zói)
O mandorová camuflado sanfonou sob a folha
e o pinhé eriçou a plumagem feito onça,
sem perícia, confundiu antena com estame,
e a lagarta foi tecer no oco dum toco.
Foi assim a derrota do Golias.
Enquanto ela operária, partidária
cozia sua cama mimetista,
bem bordada em dois olhos carmesim,
um em cada asa de seu novo reino.

II

O louva-deus pardo, com seus óculos de boticário
Mais parece um contabilista sobre os livros.
em seu terno marrom discreto, escova as patas.
Calculando o bote, tocaia uma borboleta flamejante,
é a Vanessa braziliensis,frágil criaturinha tropical.
Pernas cruzadas, com cara de bom moço,
em pose tão beata, ataca, fere e come.
Sua sisudez proletária, sua postura sindical
não revelam a frieza do caçador solitário.
Mas ele não tem pressa, tem por Senhorio
Um velho barbudo, deus de toda peçonha.

III

A formiga cabeçuda fez um ninho de terra branca,
em volta, coroou com gravetos e folhinhas secas.
Diligentes como deputados, fiscalizam o séquito
que vem trazendo folhas maiores que seu corpo.
Pelo caminho trocam frases em formiguês e seguem.
Numa ampla câmara com ar condicionado estacionam.
A presidenta aquiesce, orgulhosa de seus soldadinhos vermelhos
Cônscia da breve turbulência lá fora, ela segue sua campanha.
Nada teme, sua vida será boa e longa,
ela também tem seu deus bonachão a lhe guiar...

domingo, 28 de abril de 2013

Receita de filhós.

Pegue uma Tia Chiquinha, ou Carmelina ou Maria,
sintonize em Índia, sua cantiga de cozinha.
Numa bacia de alumínio batido, rebatido,
amassado, ariado e bem polido,
coloque uma porção de polvilho, de ouvido.
(Deixe os olhos dos meninos pendurados na porta).
Em seguida, acrescente quatro ovos de carijó,
(se tiver azul é sinal de boa ventura)
mexa bem até ficar com cheiro de chuva.
Numa panelinha da dona Bela,
(aquela com cabo feito pelo vô Vicente)
acrescente água, açúcar, sal e um pouco de óleo,
embale como quem dorme criança em rede,
deixe ferver e escute dona Bela inventar
a historia do menino Roque, que não se podia chamar.
Acrescente na massa, e mexa até parecer alfenim.
Enquanto enrola os bolinhos, escute a doçura da Tia Chiquinha,
com sua voz afinada em terceiras, sua harmonia.
Frite os bolinhos em óleo quente e peça um café à Belinha,
quando ele fumega, chama alegrias, chamas filhos e netos
Cujos primogênitos são Antonio e Chiquinha.
Coma de olhos fechados, e gema um pouquinho,
Sinta toda a saudade, que debalde escorre na pia.

Crise existencial.

Com o corpo atolado na rede
e os olhos pendurados nas estrelas,
um cheiro de mato me anela.
Numa poça de cantorias e cortejos,
um sapo goteja seu canto incerto.
Ora diz, ora pergunta: quem vai? Évem?
É noite? É dia? É rã ou é gia?
Sob o estalido de galhos se rompendo
e o tom da grama crescendo...
Pergunto ao éter, (ao que se oculta na voz da saparia):
De onde vim? Para onde vou?
O sapo entoa seu gemido Bachiano:
- De Pedro Gomes! Pedro Gomes!
A gia sussura sua vozinha melíflua:
-Pra Coxim! Pra coxim!
(O que, aliás, é o equivalente a capitania).
Agora sei a rota e o rotundo
Sei o raso e o profundo:
Sou um sujeito de quimeras
pessoa de capoeiras e cacimbas.
Gerado nas entranhas do nonada,
do que não é, de gentes vãs,
de coisas sem valia, sou cria
dessa cablocracia, dessa parva, desta saparia.
Sou filho do marracabelo
e meu destino é a morraria.

sábado, 27 de abril de 2013

Sabedoria da Itaúba.

Me atrai o tosco, o fosco,
Sou dado a maiados, aos tordilhos.
Me visto do roto, do lampinado.
Tenho ânsias de brenhas, de picadas na saroba.
Acredito na verdade da itaúba velha,
quando senhora de cãs, avilta seu dorso de sóis e chuvas,
na tapera cheia de historias pra orelhas de paus.
Desconfio da pedra lixada, da cara polida,
esculpida em Carrara, lisa, domada.
A pedra não se doma, já dizia o João.
Mas quanto se pode aprender do desbotado,
da nódoa, da mancha que o caju da de lembrança.
Com o melado da fala acaboclada adoço minha prosa
e vou afiando, afiando a pena que cá dentro rima.
Coleciono ditos, causos e nós de peroba.
Tudo isso tem serventia na hora que dentro range.
É panaceia d’alma, é donde se apoia o coxo.
Quanta serventia tem a fresta, quando a réstia
vem trazendo a manhã que nunca desiste
e minúsculos grãos de poeira dançam sua sempre dança.
Quando o barulhinho dá água vem em seu andar riachoso
faz lembrar do café, do mate, do amargo de toda erva cheirosa,
pergunto a uma perereca amarela de tanto pensar:
-A vida das coisas, quem pode explicar? Quem entende?
A gia, o Urutau, a guanchuma, o saruê, o zaino que corre...
Eles sabem o rumo certo de toda traia do mundo.
Sabem ver no lusco-fusco, que a grama goteja solerte,
enquanto calangos põem um olho pra espiar o mundo
indagando se já deu hora de embaralhar as folhas.
Ela pisca comprido, já dando prazo pra pular,
dá uma mijada no páu e vai procurar serviço.
...
Povim besta.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Baleiro.

Evém o baleiro
évem o nêgo seu Dodô
évem trazendo sonhos e alegrias
em seu tabuleiro de cor.
Eu menino de igarapés e trieiros
amava de longe aquele nêgo
com sua calça branca em chinelos,
um de cada cor, reluzente ouro nos dentes
e guarda-chuvas azul, rosa e bordô.
pendurados em sua tábua fornida
de imbuia, cravejada de odor
vinham além disso, mistérios açucarados
aventuras de gibis e aquela antiga dor.
Hoje a conheço bem, fui me fazendo homem
deixando de lado a quimera, pra de vera
inventar um adulto, um ator.
Mas o nêgo Dodô, era tudo:
Era menino nas canturias, era homem
pra contar a grande valia, que trazia
em seu baleiro de cordéis de amor.
Era cambaio o nêgo, era um corisco
em historias de mal-assombros,
enquanto contava "uns conto"
versado em Pai da mata, Pé de garrafa
e Curupira, o nêgo em tudo era dotô.
E quanto mais fundo a alma ia,
embrenhada em matas e grotões
mais depressa derretia
o pirulito queimado que vendia
o nêgo valente, o Dodô.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Que me desculpem as belas.

Pela manhã fumei uma lira
e tive êxtases de cordéis
sorvi do limbo a rima
banhei-me em tons pastéis.
-Há! que desgraçada essa sina
da métrica que tudo alinha
e encaminha meu bem querer.
Que de querer quase nada tem
que de bem só um pouco contém,
mas se quer assim tudo arrumado
bem assentado, polido e encaixotado
Pra não incomodar ninguém.

Quisera poder ser livre
do laço que me prende à forma
do regra, do fuso, da norma.
Quisera ser como um tronco
apodrecido em musgos
em limbos, em lesmas em fungos.
Que me desculpe o poeta
que da boniteza era esteta
que cantava sempre beldades
e dava com as feias na testa
Não quero ofender ninguém
Mas de beleza ele não tinha vintém