segunda-feira, 30 de maio de 2011

Velha fotografia.

Minha filha, minha ilha distante,
filha da minha alegria,
sangue do meu sangue,
ossos dos meus ossos,
minha carne,
minha cara em suas faces.
sua risada em minha poesia.
Pra onde voce foi?
Onde estou sem você?
Em minha casa fria.
Não te guardo nas pálpebras,
não te tenho no regaço,
não te cuido, nao te acudo
na noite sombria,
minha filha, minha alegria.
Depois que te perdi,
todo caminho é torto,
toda luz é opaca,
todo amanhecer é tarde,
toda noite é dia,
minha filha, minha alegria.
Em meus sonhos sempre te vejo,
dentro de meus olhos baços,
tua forma bonita, teus traços,
teu contorno meu
que minha memória cria,
parece que sou eu,
contudo, algaravia.
Sem você o céu é púmbleo
e tudo é alegoria.
não como, nao bebo,
nao durmo, nao rezo
sem pensar em você
minha filha, minha alegria,
estampada numa velha fotografia.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

O mendigo.

O amor é uma ilusão
tão intenso como uma chama
que arde sôfrega e tudo consome
até extinguir-se a si mesma.
O amor é como uma brisa leve,
uma lufada de alegria e regozijo,
que depois de passado o júbilo,
repousa no chão como uma pena molhada.
Sim! O amor é um engano,
uma lareira cheia de cinzas de ontem,
um floco de neve ao sol.
Um menino que fita o éter
mas no fim, é só um pássaro preso
numa mancha de óleo...
Ele vem como uma tempestade furiosa,
em arroubos juvenis de granizo e trovões.
Retorce árvores, inunda cidades,
transtorna vales e homens
e depois arrefece
como um filhotinho assustado.
Irmão da dor, andam de mãos dadas
em detestável lascívia incestuosa.
Sim! Eu afirmo e atesto:
O amor é entorpecimento, é vaidade.
ele embriaga, tonteia e nos surra.
Mas essa bravura, esse furor não permanece.
No perau profundo, nos grotões,
no recôndito de oceanos anímicos
ele dorme seu sono de ogro.
com sua boca aberta, ventre inchado
por embebedar-se continuamente,
com a vinha do desespero.
Com as mãos cheias de nomes
e fotografias desbotadas de moços e velhos,
ele está quieto como o Vesúvio.
Em breve verterá desprezo e vertigens.
O amor é bonito nos livros e nas telas.
Bebida fina de tolos e poetas trôpegos.
O amor é um mendigo vetusto,
Metido em seus andrajos de sobriedade.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Lineu Silva.

Ninguém mais tem noticias do cidadão,
e toda aquela sua contumaz integridade.
Os de cima os chamam “trabalhadores”,
como se trabalhadores fosse uma categoria, uma classe.
Mas eles sumiram. Tornaram-se um folhetim.
Agora todos rosnam ante a presa abatida,
ninguém mais se lembra da honra,
do bom nome, dos princípios.
Os de baixo, enquanto não podem subir,
vão pisando um sobre os outros,
jogando papel na rua,
oferecendo dinheiro que não têm,
pra se livrar de multas e tropeços.
Quem se importa com o vizinho?
“O próximo” é apenas um eufemismo,
uma idéia absurda de outro Maluco.
Precisamos apenas comprar alguma coisa,
em algum lugar, por qualquer motivo.
Nos reunimos em nosso pequenos bandos,
cada um com sua bandeirinha,
lutando pelo dinheirinho nosso de cada dia.
E tudo esta a venda.
Os dedos, os dentes, o fígado, o nome,
a alma, os filhos, a fé...
Ninguém mais é como o Lineu,
Irredutível em sua vidinha banal,
Trivial em sua vidinha ordinária.
Acho que precisamos do Lineu la no palácio,
com a dona Nenê na economia.
E do jeito que está a casa da mãe Joana,
o Agostinho seria uma excrescência.
(E neste caso o nepotismo é perdoável).
coisa típica da ilha de Cabral.
Mas acho que o Lineu não aceitaria.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Porto Seguro.

Quando as ondas quebram furiosas
sobre nossos desejos, lá no fundo
quarto de aventura, sofreguidão e espanto.
Quando as emoções espumejam
em revoltosas e intempestivas águas.
Quando subjugados pelo perfume da incerteza
preferimos mil vezes o impulso, o quiçá
ao murmúrio doce do riacho que corta os vales.
Quando não tememos o estertor de noites sombrias,
quando o furor da voz de mares abissais
nos parecem tão familiares.
Quando as naus se quebram sob as rochas
e congelamos a espera de socorro que nunca vem,
então é hora de deixar ir, de soltar amarras.
Velejar sob o sol de águas azuis,
Caminhar descalço sobre areias brancas
em terra firme, em campos conhecidos.
Sorver devagar as fontes claras que gotejam
Sob a sombra do serrado de flores amarelas.
Ouvir o nome sendo chamado em tons suaves,
enquanto se cozinha num dia comum,
numa vida comum,
para um amor comum...
Navegar é para os tolos, para os poetas.
Para piratas e capitães indômitos.
...
Estou para o chão, casa de varandas amplas,
pequena horta no fundo do quintal.
Domingo de lareiras, chá e livros antigos.
Fumaça de chimarão partilhado subindo.
Conversa a toa,
A vida besta das Itabiras...

terça-feira, 10 de maio de 2011

Trieiros

Há tantas sendas incertas
para se chegar aos cardinais
traçados na matriz.
Ao sermos ejetados
não nos dão um mapa da vida
e as rotas traçadas para ontem,
não nos conduzem ao hoje.
Vagamos indolentes, por velhos trieiros de trapiches.
Veredas de areias e capins temporais
sulcados pelas rodas dos tempos,
por caminheiros que não conhecemos.
Não temos timão, leme, GPS ou volantes nessa Nau.
Erramos como vaga-lumes caolhos,
como formigas aladas
(que pela quantidade esperam chegar ao destino)
nos círculos do senhor tempo.
Descaminhos incertos de Bernardos
Que se cruzam a margem do trilho eterno.
Seguimos.
Sem a orientação de cupins à casa nova,
Ou o passo trôpego, mas certeiro
de um besouro cego.
Também cegados pela luz,
Tateamos na escuridão
de nossos próprios destinos.
Ora sabemos, ora perdemos.
Mas aquele olho de homem esta lá.
Segue-nos interessado em nossa lida.
Constrói-nos pequenas pontes, abre valas,
Novos trieiros em meio às pedras
de nossos devaneios.
Da pra sentir seu hálito enquanto vagamos,
Sob nossa carapaça efêmera.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O Rola-bosta

O coprófago não sabe
Sua importância, seu valor municipal.
Ele segue rolando sua cama de antanhos.
Obra de nobres vereadores, magistrados, pedreiros
quem sabe de um imortal, uma miss.
Pensando bem, miss é provável que não!
Sua célebre cauda não se arreganha no mato.
E segue o escaravelho em seu vestuto ofício
de rolar seu insólito berço,
sem ninguém para lhe reclamar a obra,
porque isso é coisa de que o autor não diz: É minha!
Essa cria se atribui sempre ao outro.
Seus ancestrais rolaram nobres toletes,
De faraós, búfalos de Basan, camelos Reais...
Mas todos tratados com sobriedade e discrição.
Não faz o escarabeu, acepção de estrume.
Impassível, deposita seu ovo confiante,
Seu herdeiro logo vem comer-lhe a obra,
Sem super faturamento, sem comissão,
Esse engenheiro, capitão de bostas,
com sua sabedoria de milênios,
alimenta sua prole, e sulca a terra.
Para produzir-lhe sempre mais ervas,
Como lhe prescreveu o Sábio construtor
que alimentará os bois, os deputados,
os senadores, os alcaides e toda sorte de bichos
de igual monta, e utilidade,
Para vir-lhe servir as gerações
Com estrume e continuidade...