segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Chuva

 Uma gota da chuva de im antes

translúcida, prestes a desabar

no abissal espaço entre a folha e o chão,

pulsa levemente, sabendo-se o último

vestígio chuvaroso da noite alumiada.

No em baixo, formigava a saúva laboriosa,

com suas trempes e alforje de ínfimas coisas, 

seguindo na highway d’ontes, célere.

O ventoso, contido em sua fúria noturna

de espalhar folhas e gravetos, aluía,

bafejavando seu hálito refrescoso e cálido.

Mínimas jataís, voa em torno assuntando.

Sim, jataí é bichinho cestroso, que espera,

sem alvoroçar como a caga-fogo.

Enfim segue seu destino desaboso e cai.

A saúva tomba com o impacto da gota,

que se espatifa num aluvião molhoso.

Caos! Milhares de gotículas explodem

aquosas, iluminadas pelas réstias.

Em cima, nuvens fogem, abrindo a janela

do azulamento festivo da infinitude,

no éter profundo, onde o pensamento

não alcança, lá, na negrura da escuridão

onde o fiat lux se deu,

onde ecoam explosões infindas de fogo e gelo,

onde cá embaixo o zoio d’homem carcula,

enrolando seu fumo de ilusão e medo.

Lá, nas bordas do infinito, um olho vê

o pensamento desfazer-se como a névoa,

na bolinha azulada, morada de formigas,

que seguem seu caminho de ajuntar sempre.

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Mundos

 Sinto falta dos grilos,

da vermelhura negra de joaninhas.

Onde estão as borboletas?

Não avuam mais as mariposas?

O povinho miúdo esquivou-se

e as noites são limpas.

Só o chorume mole do metal,

aquele moto contínuo de engrenagens,

luzes onde devia alumiar a lua,

ou simples negrura...

Capiaus são almas binárias,

não sabem mais o canto da Gia

e pererecas são E.Ts assombrados.

Quando eu meninava no eito do mundo

na longínqua Rondônia,

onde o sete-pernas campeava suas botas,

eu sabia de cor o tau-tau do sapo martelo.

No de manhã, o tisiu assuntava toco

no seu canto-pulo, e azulava no mundo.

Esse mundo roto, mundo de aço,

mundo de gentes curvadas sobre o santo totem da luz que encandeia,

como a sucuri quando ensaia abraço.

Nesse mundo oco não cabem mais  vaga-lumes nem cigarras encantando paus.

Centopéias e Marias-fedidas secaram,

inté gambá virou assombro...

Quedê o bate-bate do grilinho marrom?

O louva-Deus é finado?

Tem base um trem desse?

Tem não sô, por mode que é tudo lógico,

tudo não faz conta nesse mundo outro.

quinta-feira, 11 de março de 2021

Possessão

Sou pessoa de gravetos e besouros,

coleciono folhas e sementes

e tenho uma orelha de pau amarela.

Um saci me deu um apito de pena,

diz que chama anta e desvia vento.

Tenho ideias para grilos marrons

e formigas de Embaúba mole.

A estradinha que entortou a tarde

é o meu caminho para a eternidade,

no lusco-fusco das manhãs eu medro

entre uma casca de pequizeiro

e a sucupira prenhe que solta bagos.

Minha alma é cascarosa e áspera,

tem estames, limbo e veios.

Um urutau me ensinou um toco,

enganar a morte é arte de esgueirar-se,

de folhar-se e escutar o quem-quem avuando.

Sou raso, e guardo burburinhos no bolso

mode dormir um regato na noitinha

quando évem gorgorejando a lua.

Tenho pressa não, ambições de sereno

e um calanguinho que escondi,

onde o sonho é sempre vívido,

onde deito meu cansaço, meu temor,

onde não tenho possessão nem desejo,

só o som de aluviões e um vento besta,

que desalinha folhas e pedrinhas inúteis.