sexta-feira, 17 de julho de 2015

O barbeiro

Bem embaixo de um mundo esquecido em gaveta
fica esse lugaroso extinto em preto e branco,
onde algumas cores pintam lembranças meninas
aboletadas em uma cadeira de barbeiro,
cujo espaldar verdejento inclina-se para o nunca
e seu braço de madeira encerra certa sobriedade,
posto que assistia-lhe Raimundo (Por patente Batista).
Seus óculos agregavam-lhe certa notoriedade pública,
tal qual o padre, o alcaide, a parteira
e certo doido municipal ainda em serviço.
Contígua à navalha hesitante, cozia tia Ana
(Sua empresa diária era perfumar).
Um feijão de cheiro que pespegava dentro,
caldava seu gosto marrom até o pé da serra
encostada numa nuvem que morava lá desde antes.
(Pedro Gomes governava toda poesia que havia
albergada em alfogers do mascate Zé Bezerra).
Vinha do fundo uma cantilena gemida em stacatos
que anunciavam o caldo grosso e arroz soltinho.
O barbeiro provia cabelo e historia de onça, assombração,
valentia e certo lobisomem lá no olho d'água.
-Cunhece não? Bicho malino que é o cão!
-Só disvira pra homem em curral de merda!
Tic, tic, chap, chap a tesoura sóbria tinia.
A correia de couro mode afiar desconfiava a prosa,
o freguês confiado, com a cara cheia de chantili
nalguma vez gemia um: -hum! Oxente! Arre égua.
Nesse batido ia e desvinha ele porfiando.
Foi Raimundando longe-longe o Batista.
Fez filhos e netos, mas nem um deu barbeiro.
Seu espólio ficou-me por herança poética.
A serra derreteu a nuvem que era de algodão
e deixou no chão a marca de um tempo roto,
calcado pelos pés impiedosos do progresso.


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