terça-feira, 28 de julho de 2015

Usina

Tenho pena do canavial quando deita,
sua feiura esplêndida atordoa o verde.
Em suas ruelas arrumadas a morte
montou seu acampamento e espera.
Gentes sórdidas comandam seu doce,
organizam seu bagaço em montes
e esperam o jorro volátil que fascina.

Tenho medo do canavial quando brota.
Sua folha cheia de tanta ganância
faz do eito um campo mesquinho,
nem a saúva pode com seu pleito.
Aviltaram a doçura da caiana,
sujaram os rios com seu sangue.

Tenho pena da cana quando mói.
Em seu remoer e queimar infinito,
queima consigo a gentinha rasteira
o povinho que vive em baixo,
povinho alado, povinho pardo.

Tenho pena da cana quando queima.
Em seu fragor, o progresso se avoluma
em montões de cinza e pó inúteis,
que na distância de um olho espreita
a anta quando sai pra beber,
o bandeira, o tatu, o mateiro.

Tenho pena da cana quando amontoa
índios, brancos e negros em galpões,
a espera de sua porção de açúcar e sal.

Tenho pena da cana quando avulta.
E seus senhores encastelados,
sonham com outro pau a queimar,
outra sombra, outra semente, outro regato,
insignificantes, inúteis e que não rendem.

Tenho pena da cana quando lucra
e seu dom de adoçar corroí como ácido,
o chão, o mato, a lua quando vem espiar.

Tenho pena da cana e sua nobreza
agora instrumento de açoites e pejo.

Tenho pena do João dos canaviais,
do Cabral, do Rosa, do Rego
que já não vemos mais.


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