segunda-feira, 18 de abril de 2011

O brinquedo

No tempo em que a China
era debaixo do mundo,
quando o Paraguay não era
uma banquinha de lona na esquina.
No tempo que meu ofício era brincar,
nesse tempo, ganhei um brinquedo sem graça.
Ele era de um plástico feio, amarelado.
Era uma metralhadora.
Joguei pelo alambrado da minha casa,
aquela coisa sem graça, inútil.
Não dava tiros, nem tinha mira.
Queria uma arma como aquela do cinema,
que cuspia fogo, e fazia aquele estalido bonito.
Depois de alguns dias, vi alguns meninos
os pobres, aqueles meninos perigosos,
aqueles com quem minha mãe não deixava brincar.
Eles estavam com a minha metralhadora amarela,
e ela fazia sons incríveis.
Soltava rajadas e derrubava os bandidos.
De vez em quando o mocinho também morria.
Mas era uma morte sem morte.
Eles riam da morte, brincavam com ela.
Eu, do lado de cá, sentia uma dor aguda,
uma saudade inexplicável
daquele brinquedo inútil,
a minha metralhadora amarela.
Ela reluzia nas mãos dos meninos tortos.
Eu não imagina tanta alegria, tanta graça
produzida por aquela metralhadora amarela.
Aquele plástico informe, aquela forma grosseira,
Era agora tão sedutora, boa de se tocar.
Podia, do lado seguro onde estava,
sentir o cheiro de plástico.
(na verdade, a memória dele).
Mas a vida de metralhadora,
não é melhor que a de menino sem brinquedo.
Ela também sofria o desprezo, a solidão.
mesmo no meio de tanta festa, tanta gente.
Descobri isso muito tempo depois,
quando eu mesmo pude ser
a metralhadora amarela de alguens...

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