quinta-feira, 15 de maio de 2014

O nome e os cheiros

Minha avó sabia de antemão inventar cheiros.
Tinha cheiro de livro, cheiro de mãos velhinhas,
cheiro de beijú na janela e café manejado em bule.
Tudo com precisão de encantar meninos.
Me aprendi gostando primeiro do cheiro das coisas,
depois é que veio a ânsia de desmontar palavras.
Tudo enformado na casa de minha avó ao pé da serra,
naquele lugaroso que ainda atende por Pedro Gomes.
Por precisão de encontrar nomes de tantas olências,
apurava o olho em guardados e gavetas matinais
e sempre tinha um flavor de coisas anônimas de rastreio.
Era preciso dar razão e sentido aos achados e inventados.
Minha avó cantinava um motejo de sabiá oloroso
enquanto preparava eflúvios epicuristas no fogão.
Havia constante voz com stacatos e mordentes
que vinha de algures, sem parentesco visível.
Foi dai que faltaram palavras e desinventei a lingua,
mode caber o sentido, antes que a norma reta.
Nesse emaranhado de coisa, cheiro e gentes,
me achei velho com despropósito de vernáculo.
Tento tresantontem ontem e hoje sempre,
mas não acho mão das certitudes sensatas.
Vou construindo esse sistema rotundo
que é baseado em desidéias e tontices aluadas.

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